Monthly Archives: May 2012

Antoni Muntadas na Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa

Patente até ao dia 2 de setembro no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, “Entre / Between” acolhe trabalhos do artista catalão Antoni Muntadas produzidos entre o início da década de 70 e os anos 90. A proposta expositiva aqui apresentada sintetiza as práticas concetual e estética de Muntadas na exploração das zonas intersticiais da experiência humana. Sob este eixo de leitura, examina as recíprocas relações entre a arte, a vida, o corpo e contíguos domínios da perceção, nomeadamente através de experimentos limite que testam os indefinidos territórios da sensibilidade. Num primeiro encontro, o espetador é convocado a Continue reading

“Cosmopolis”, de David Cronenberg


Um prodigioso multimilionário de 28 anos atravessa as ruas de Nova Iorque para fazer um corte de cabelo – “o” corte de cabelo. “I need a haircut”, “we need a haircut” são as mnemónicas que o egocêntrico visionário Eric Packer (Robert Pattinson) repete do alto da soberba com que observa o mundo que o rodeia, e que polariza na sua futurista limusina – habitat capitalista onde vive, se recolhe e faz girar o cosmos adjacente. A partir de um antro em que tudo se negoceia de modo dissoluto e desenfreado – o dinheiro, os corpos, a arte –, Cronenberg transpõe para narrativa fílmica uma ordem mundial económica e ética em decadência, de que Packer é figura síntese. Mas, quando um espetro assombra o mundo e a ratazana parece Continue reading

“A arte da performance”, de RoseLee Goldberg

Para uma fundamentação da performance enquanto expressão artística independente, RoseLee Goldberg propõe nesta obra, originalmente publicada em 1979, a sua primeira grande abordagem histórica. Um objeto em constante atualização (pela mão da própria autora), “A arte da performance” conhece agora uma segunda e muito completa edição em Portugal pela irrepreensível Orfeu Negro, e integra um novo capítulo dedicado às recentes reconfigurações da performance na viragem para o século XXI. “Arte transgressora”, sempre se firmou como primordial manifestação de rutura e desconstrução das categorias tradicionais da arte – “vanguarda das vanguardas”. Daqui parte Goldberg para uma leitura que toma a performance como corpus de análise e Continue reading

“Avanço”, de Tamba Trio, e “A música de Edu Lobo por Edu Lobo”, de Edu Lobo

Dos prolíferos e seminais anos 60 da música moderna brasileira, a Soul Jazz – chancela britânica irrepreensivelmente diligente na reedição de registos fulcrais dos diversos cambiantes da música de educação negra – recuperou recentemente duas das suas peças canónicas. “Avanço” é o segundo LP do Tamba Trio, grupo fundado por Luiz Eça, visionário compositor, arranjador e pianista de apuradíssimo sentido melódico, originário do Rio de Janeiro. Ensemble de piano (por Eça), flauta, contrabaixo, saxofone (por Bebeto Castilho) e percussão (por Hélcio Milito, que toca bateria e tamba, o instrumento que dá nome ao conjunto), a formação apresenta inéditos e reescreve standards recentes – à época – do cancioneiro da bossa nova, como “Garota de Ipanema” ou “Só danço samba”, geridos por uma paradigmática combinação de Continue reading

“Cadernos de Serafino Gubbio, operador de câmara”, de Luigi Pirandello

Quando os irmãos Lumière filmaram a saída dos operários da usina, muitos foram aqueles que se fascinaram pela representação da imagem em movimento. Outros houve, porém, que temeram esse espetro fantasmático (tal como acontecera aquando do aparecimento da fotografia – e relembre-se, a este propósito, a atitude de veemente condenação de Baudelaire). Aquilo que Luigi Pirandello explora nesta crónica romanceada de 1916 não é tanto esta relação de temor com a imagem cinematográfica, mas com a própria indústria, que entretanto se automatizava para um procedimento cada vez mais mecânico e que tendia a dispensar o serviço do homem que nela trabalhava. Serafino Gubbio é um operador de câmara amargurado com o suplício crescente de ser apenas uma mão que Continue reading

“Michael”, de Markus Schleinzer


Apresentado em Cannes no ano passado, “Michael”, o filme que regista a estreia na realização de Markus Schleinzer, discípulo e colaborador de Michael Haneke (foi diretor de casting nas suas obras primas “A pianista” e “O laço branco”), é um olhar gelidamente neutro sobre a relação de um pedófilo com a criança de dez anos que mantém enclausurada na cave da sua casa. Uma longa metragem que entrecruza a decadência de uma criatura quase não monstruosa e os seus hábitos vulgarmente humanos: com um distanciamento emocional cirúrgico, o realizador apresenta a Continue reading

Joe McPhee, disco e concerto em Lisboa

Dois meses depois da memorável passagem pela Kolovrat 79 com o seu Survival Unit III, o lendário saxofonista Joe McPhee, um dos remanescentes pioneiros do free jazz e terrenos adjacentes, monumental e incontornável pensador do discurso improv mais desafiantemente criativo e político (como na sua obra prima “Nation time”), regressa esta noite a Lisboa, para subir ao palco do Pequeno Auditório da Culturgest, a convite do nórdico Trespass Trio. Com uma formação de saxofone, contrabaixo e bateria, o projeto idealizado por Martin Küchen toma por referência matricial o rock, para o cruzar com a world music das sonoridades da Guiné Conacri e com o hard bop, de onde este saxofonista bebe abundantemente, para se arriscar nos terrenos mais abstratos do jazz de Continue reading