Retoma o sentido da “poiesis” grega para pensar a dança como uma prática fenomenológica que transforma o mundo. Laurence Louppe, eminente crítica e historiadora do campo coreográfico contemporâneo, propõe nesta obra abordar a poética enquanto “o que, numa obra de arte, nos pode tocar, estimular a nossa sensibilidade e ressoar no imaginário”. Analisam-se as singularidades da estética balética moderna (e, aqui, os limites concetuais dos termos “moderno”, “contemporâneo” ou “atual” não são rigidamente fixados) sem se apresentar uma inquirição histórica das suas evoluções. Ainda que seja sugerido que as origens da dança contemporânea remontam aos finais do século XIX, o enfoque deste ensaio é outro: compreender que o trabalho coreográfico é “simultaneamente corporal e teórico”. Nessa medida, Louppe toma a dança na sua especificidade artística (com a devida ressalva que a sua “ontologia reside na força da experiência performativa”) e, atravessando escolas, respigando “fragmentos”, “tributos” e “recursos infinitos”, traça um mapa de referências que engloba Isadora Duncan, Ted Shawn, Mary Wigman, Trisha Brown, Pina Bausch, o Judson Dance Theater, o Quatuor Albrecht Knust, entre outros, bem como uma panóplia de autores da filosofia, da antropologia, da história e da teoria da arte. Explicita a “rutura epistemológica” operada pelas práticas coreográficas modernas – que pretende que “o corpo em movimento seja ao mesmo tempo sujeito, objeto e ferramenta do seu próprio saber” – e alude às linguagens e utensílios totalmente autónomos do bailarino contemporâneo, mais desperto a explorar o “potencial lírico” de todas as partes do seu corpo do que a amplitude do movimento ou a graciosidade do gesto. Este é o esteta do “corpo expressivo”, que pondera o modo como se serve do peso do corpo, da respiração, do espaço e do tempo para fazer do ato coreográfico uma experiência sinestésica, de encontro e de diálogo com o espetador. Mas se a ensaísta identifica esta relação dialética, poética, como um dos rasgos originais do bailado dos nossos dias, considera igualmente fundamental compreender que cada expressão, movimento ou obra veicula uma “urgência de dizer”, uma “leitura do mundo”, “uma estrutura de informação deliberada” e se inscreve como “um instrumento de esclarecimento sobre a consciência contemporânea”. Originalmente publicado em 1997, “Poética da dança contemporânea” é um texto seminal nos estudos da dança e da arte, e chega a Portugal poucos meses depois da morte da sua autora. A cuidado da sempre cuidadosa Orfeu Negro, a presente edição inclui um prefácio da professora Maria José Fazenda e uma importante listagem cronológica dos espetáculos e dos filmes da área já apresentados no nosso país, organizada pela mesma académica.
livro “Poética da dança contemporânea”, de Laurence Louppe
Orfeu Negro, 2012