Monthly Archives: December 2011

“Feliz olhar novo”, de Carlos Drummond de Andrade

O grande barato da vida é olhar para trás e sentir orgulho da sua história.
O grande lance é viver cada momento como se a receita da felicidade fosse o aqui e o agora.
Claro que a vida prega peças. É lógico que, por vezes, o pneu fura, chove demais…
Mas, pensa só: tem graça viver sem rir de gargalhar pelo menos uma vez ao dia?
Tem sentido ficar chateado durante o dia todo por causa de uma discussão na ida pro trabalho? Quero viver bem.
O ano que passou foi um ano cheio.
Foi cheio de coisas boas e realizações, mas também cheio de problemas e desilusões. Normal.
Às vezes se espera demais das pessoas. Normal.
A grana que não veio, o amigo que decepcionou, o amor machucou. Normal.
O próximo ano não vai ser diferente.
Muda o século, o milênio muda, mas o homem é cheio de imperfeições, a natureza tem sua personalidade que nem sempre é a que a gente deseja, mas e aí? Fazer o quê? Acabar com seu dia? Com seu bom humor? Com sua esperança?
O que eu desejo para todos nós é sabedoria!
E que todos saibamos transformar tudo em uma boa experiência!
Que todos consigamos perdoar o desconhecido, o mal educado. Ele passou na sua vida. Não pode ser responsável por um dia ruim…
Entender o amigo que não merece nossa melhor parte. Se ele decepcionou, passe-o para a categoria três, a dos colegas. Ou mude de classe, transforme-o em conhecido. Além do mais, a gente, provavelmente, também já decepcionou alguém.
O nosso desejo não se realizou? Beleza, não tava na hora, não deveria ser a melhor coisa pra esse momento – me lembro sempre de um lance que eu adoro: Cuidado com seus desejos, eles podem se tornar realidade!
Chorar de dor, de solidão, de tristeza faz parte do ser humano. Não adianta lutar contra isso. Mas se a gente se entende e permite olhar o outro e o mundo com generosidade, as coisas ficam diferentes.
Desejo para todo mundo esse olhar especial.
O próximo ano pode ser um ano especial, muito legal, se entendermos nossas fragilidades e egoísmos e dermos a volta nisso. Somos fracos, mas podemos melhorar. Somos egoístas, mas podemos entender o outro.
O próximo ano pode ser o máximo, maravilhoso, lindo, espetacular… ou… pode ser puro orgulho!
Depende de mim, de você!
Feliz olhar novo!!!

 

[Carlos Drummond de Andrade]

“O rebelde salvador”, de Marc Forster

Pouco tempo depois de sair da prisão, um ex-toxicodependente alcoólatra assume um caminho de redenção radicalmente novo para a sua vida: converte-se à religião e dedica-se literalmente de corpo e alma a causas espirituais e sociais que considera que só podem vingar com a sua fé e trabalho, sejam elas na rua da pequena cidade do estado do Minnesota onde mora ou na zona de fronteira entre o Sudão e o Uganda. A história verídica de Sam Childers e da sua peculiar abordagem à defesa dos direitos humanos e das crianças num dos terrenos mais devastados pela miséria – económica e humana – do continente africano, contada agora num retrato crú e cruel, incómodo e inconformado de uma realidade que se apodera da nossa sensibilidade humanista em cada minuto de filme, em larga medida graças ao extraordinário trabalho de atores, de fotografia e de som. Mais uma louvável inflexão temática e formal de Marc Forster, realizador que já nos havia entregue películas tão distintas (no duplo sentido…) como “Depois do ódio” (“Monster’s ball”, 2001), “À procura da Terra do Nunca” (“Finding Neverland”, 2004), “Contado ninguém acredita” (“Stranger than fiction”, 2006) ou “O menino de Cabul” (“The kite runner”, 2007).  Continue reading

“O deus da carnificina”, de Roman Polanski

Tentando alcançar um desfecho amistoso para o conflito gerado entre os respetivos filhos pré-adolescentes, que se saldara em dentes partidos e pequenas escoriações afins num deles, dois casais encontram-se no apartamento da família da vítima. Contudo, com o desenrolar do processo diplomático, o comportamento dos quatro acaba por se aproximar gradualmente do das crianças, no seu crescente descontrole, desrespeito e agressividade. Uma comédia negra de altíssimo nível dramático sobre as aparências e seus enganos, filmada com uma destreza exemplar por Roman Polanski, a partir de uma obra para teatro da dramaturga francesa Yasmina Reza, igualmente responsável pelo argumento. Mas, mais do que se limitar a transferir uma peça de teatro para o léxico cinematográfico, Polanski – conjuntamente com os assinaláveis trabalhos de Kate Winslet, Jodie Foster, John C. Reilly e Christoph Waltz – cria neste “O deus da carnificina” um cenário paradigmático de reflexão sobre os modos da sociedade que construímos, pensados a partir da mais relevante pequena célula de relacionamento social: um casal (aliás, dois…), uma família (aliás, duas…). Um filme que fecha com chave de ouro o calendário de estreias cinematográficas portuguesas neste 2011 também já tão moribundo. Continue reading

“Short movies”, de Gonçalo M. Tavares

No primeiro volume de “Short movies”, o 31º caderno do autor, aparecem cerca de 70 guiões para histórias incompletas. A numeração na escrita é importante, mas o seu movimento é mais ainda. A solução do grande plano ou do plano fechado está na linha do olhar de quem o lê e não no gesto iniciático de quem o escreveu. Algumas das notas para estes movimentos perpétuos surgiram nos recantos de jornais. Como diria Gonçalo M. Tavares, esses cantos são agora recontados. Continue reading

Sam Rivers [1923 / 2011]


Nascido no seio de uma trupe de gospel em que militavam o pai e a mãe (embora, na realidade, a sua herança musical remonte ainda à geração anterior), Sam Rivers viveu em Chicago e em Little Rock e estudou violino, piano e saxofone até, no início dos anos 40, ser alistado pela Marinha. Estacionado na Califórnia, aprofundou conhecimentos e acumulou experiência de palco. Em 1947, graças à G. I. Bill (a lei que garantia estudos universitários ou vocacionais para veteranos da II Guerra Mundial), ingressou no prestigiado Conservatório de Boston, onde se notabilizou em Composição e Teoria, e se aproximou de músicos como Charlie Mariano, Gigi Gryce, Jaki Byard ou Herb Pomeroy. Ganhando uma insigne reputação, partiu para Nova Iorque e em 1964 foi recrutado por Miles Davis para ocupar durante seis meses o lugar prometido a Wayne Shorter (obrigado contratualmente por mais meio ano com o grupo de Art Blakey). Assinando e estreando-se pela Blue Note, seguiram-se meses cruciais para a construção de uma obra – a solo e com colegas de editora como Tony Williams, Larry Young, Bobby Hutcherson ou Andrew Hill – de invulgar envergadura modernista que, na década de 70, ganhou em definitivo asas quando, com a sua mulher, Beatrice, abriu o loft Rivbea à mais audaz comunidade criativa novaiorquina (Hamiet Bluiett, Anthony Braxton, Marion Brown, Dave Burrell, Andrew Cyrille, Olu Dara, Julius Hemphill, Oliver Lake, Jimmy Lyons, Roscoe Mitchell, David Murray, Wadada Leo Smith, Henry Threadgill, etc.), desenvolveu inolvidáveis parcerias com Cecil Taylor ou Dave Holland e, naturalmente, chegou ao ápice do free em gravações para a Impulse. Destacam-se, desde então, as peças para o grupo Winds of Manhattan, as suas composições para a Rivbea Orchestra, digressões em quarteto e trio (em 2001 passou por Portugal com a formação alargada no Matosinhos Jazz e em trio no Seixal Jazz) e uma discografia cujo derradeiro sinal de grandeza reside possivelmente no díptico “Inspiration” e “Culmination”, registado pela RCA em 1998. Continue reading

“Sentimento” e “Noites brancas”, de Luchino Visconti

Na década que abrira com o superlativo “Belíssima” (“Bellissima”, 1951) para fechar com o igualmente histórico “Rocco e seus irmãos” (“Rocco e i suoi fratelli”, 1960), Luchino Visconti elevou ainda a sua verve autoral a níveis memoráveis nestas duas longas metragens que agora chegam ao mercado português de dvd pela mão atenta e sensível da distribuidora Alambique: “Sentimento” (“Senso”, 1954) e “Noites brancas” (“Le notti bianche”, 1957). O primeiro, tem como cenário Veneza em 1866, ou seja, durante uma das ocupações austríacas de que foi alvo. Resume a história de uma paixão – desprovida de qualquer solidez ou racionalidade – de uma condessa italiana por um oficial austríaco, por quem deita tudo a perder, traindo até o seu país. Por seu lado, “Noites brancas” é uma obra que não é tão citada junto das essenciais de Visconti como é “Sentimento”, mas que não deixa de ser tão ou mais arrebatadora. Extraordinário momento do (neo)realismo viscontiano, testemunha a breve história comum de dois solitários com interesses afetivos que gradualmente vão convergindo – até ao ponto em que se tocam apenas para, de imediato, se afastarem em definitivo. A matéria narrativa parte do conto homónimo escrito na juventude (1848) de Fyodor Dostoyevsky. Os rigorosos desempenhos de Marcello Mastroianni e Maria Schell, a música de Nino Rota e a vibrante fotografia a preto e branco (particularmente enfatizada na versão restaurada que aqui se apresenta) fazem o resto. Continue reading

Tudo o que desejamos para o Natal…

… e para celebrar o 100º aniversário de Spike Jones (14 dezembro 1911 / 1 maio 1965)…