“O deus da carnificina”, de Roman Polanski

Tentando alcançar um desfecho amistoso para o conflito gerado entre os respetivos filhos pré-adolescentes, que se saldara em dentes partidos e pequenas escoriações afins num deles, dois casais encontram-se no apartamento da família da vítima. Contudo, com o desenrolar do processo diplomático, o comportamento dos quatro acaba por se aproximar gradualmente do das crianças, no seu crescente descontrole, desrespeito e agressividade. Uma comédia negra de altíssimo nível dramático sobre as aparências e seus enganos, filmada com uma destreza exemplar por Roman Polanski, a partir de uma obra para teatro da dramaturga francesa Yasmina Reza, igualmente responsável pelo argumento. Mas, mais do que se limitar a transferir uma peça de teatro para o léxico cinematográfico, Polanski – conjuntamente com os assinaláveis trabalhos de Kate Winslet, Jodie Foster, John C. Reilly e Christoph Waltz – cria neste “O deus da carnificina” um cenário paradigmático de reflexão sobre os modos da sociedade que construímos, pensados a partir da mais relevante pequena célula de relacionamento social: um casal (aliás, dois…), uma família (aliás, duas…). Um filme que fecha com chave de ouro o calendário de estreias cinematográficas portuguesas neste 2011 também já tão moribundo.

29 dezembro [estreia nacional]
filme “O deus da carnificina” [“Carnage”], de Roman Polanski, com Jodie Foster, Kate Winslet, Christoph Waltz e John C. Reilly
Zon, 2011

 

João Eduardo Ferreira:
Em “O deus da carnificina”, de Roman Polanski, tudo é mais sério do que parece. Porém tudo é muito cómico, para não dizer cínico. Como na vida, não podemos levar nada a sério, principalmente o seu lado cómico. Uma grande comédia, em formato cínico, num só ato e para quatro agentes enervados.

João Lopes:
Em boa verdade, quase nada sabemos daquilo que transportamos dentro de nós… Enfim, para não nos martirizarmos com as nossas imperfeições, digamos apenas que no universo de Roman Polanski há sempre uma diferença muito sensível entre aquilo que expomos e aquilo que somos. Ou melhor: muitas vezes expomos aquilo que julgamos (ou dizemos) não ser. Integrando, elegantemente, a teatralidade do texto de Yasmina Reza, Polanski filma este concerto de câmara para quatro personagens solistas como o fim exuberante das ilusões da civilização do bom senso. Christoph Waltz, John C. Reilly, Jodie Foster e Katie Winslet são prodigiosos no prolongamento daquilo que Polanski faz com a câmara: mostrar como tudo é transparente, mesmo o que não queremos ver. texto no Sound + Vision

 

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