“Correspondência 1943 – 1959”, de Jorge de Sena e Delfim Santos

“Foi um encontro de afinidades estéticas de dois intelectuais que (…) devotaram sempre um amor intenso à literatura”. Quem o refere é Mécia de Sena no apontamento introdutório de mais um volume publicado pela Guerra e Paz dedicado aos carteios do polifónico autor de “Sinais de fogo”. No catálogo da editora elencavam-se já as trocas epistolares com Sophia de Mello Breyner e Raúl Leal, sendo agora generosamente facultada a correspondência com o professor, académico e filósofo portuense Delfim Santos. Os registos aqui documentados e organizados por Filipe Delfim Santos (que fornece um quadro de contextualização claro e rigoroso, a que a breve nota de José-Augusto França serve de complemento) são reveladores de uma cumplicidade intelectual que nasce nos circuitos literários de Lisboa e se sedimenta com estas cartas. Durante quase duas décadas (até o poeta se exilar no Brasil, em 1959), Jorge de Sena e Delfim Santos partilham inquietações e afinidades sobre as suas obras, o contexto cultural português, literatura, cinema e filosofia. De Wittgenstein a Nietzsche ou de Platão a Ernesto Grassi, trocam pareceres sobre “Pedra filosofal”, “Evidências” e “Fidelidade” (que Sena escreve neste período e dedica “com estima e admiração” ao professor), as tertúlias que frequentavam a par de escritores, artistas, ensaístas e críticos como Adolfo Casais Monteiro, José-Augusto França, Alberto de Lacerda, Eduardo Lourenço, Mário Dionísio ou José Régio, e o polémico inquérito sobre André Gide que Jorge de Sena dirige aos intelectuais, em 1951 (e cujas respostas de Delfim Santos, bem como um sumário dos resultados, redigido pelo autor destas “cinco traiçoeiras perguntas”, se incluem na atual edição). Patente nestas mensagens está a admiração de cada um dos correspondentes pelo trabalho do respetivo “amigo e camarada”, mas igualmente um recíproco descontentamento pela sua parca divulgação – uma lacuna que a presente coletânea se oferece a elidir.

livro “Correspondência 1943 – 1959”, de Jorge de Sena e Delfim Santos
Guerra e Paz, 2012

 

Paula Pina:
A correspondência (do período compreendido entre 1943 e 1959) entre dois pensadores exemplares da cultura, Jorge de Sena e Delfim Santos, ilumina ainda: inconformismo e pioneirismo. Num volume bem organizado e documentado, é sobretudo nos anexos, e em particular nas respostas ao “Inquérito sobre como vivem os intelectuais portugueses a sua relação com a cultura passada em Portugal” que encontramos no passado o angustiante reflexo da mais frustrante atualidade. Esta é uma obra para pensar a cultura, de ontem, de hoje e de sempre – para “quem julga que a vida se pode pensar não-poeticamente” e para quem ainda não sabe que “educação é realização poética”.

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