Category Archives: Cinema

“Filomena”, de Stephen Frears

stephen frears philomena

Stephen Frears, cineasta do fausto de Hollywood (“Ligações perigosas”, 1988), mas sobretudo de uma pulsão realista visceralmente britânica (“A minha bela lavandaria”, 1985), mantém-se fiel às suas origens. A começar pela BBC, onde iniciou a sua carreira na década de 70 — “Filomena” é uma produção do canal de televisão que mantém a sua especificidade cinematográfica, de raiz melodramática. As suas peripécias — uma velha senhora (Judi Dench) que procura reencontrar o filho, meio século depois de o ter “cedido” para Continue reading

“Ninfomaníaca, vol. 2″, de Lars von Trier

lars von trier nymphomaniac volume 2

Estreada a segunda parte da odisseia sexual de Lars von Trier, confirma-se que há qualquer coisa de gratuito e também (peso as palavras) de doentio no facto de este ser um filme socialmente consagrado como uma apoteose do “visível”. O subtexto que o tem acompanhado é qualquer coisa como: “Ninfomaníaca” dá a ver coisas nunca vistas… Cruel ironia: a pornografia reinante, todos os dias sancionada pelas práticas de “entretenimento” do “Big brother” e Continue reading

“Golpada americana”, de David O. Russell

david o russell american hustle

Curiosa evidência: se pensarmos em alguns dos melhores filmes americanos lançados em Portugal nas últimas semanas — “O lobo de Wall Street”, “Lovelace”, “12 anos escravo”, “O Clube de Dallas” e, agora, “Golpada americana” —, não podemos deixar de notar o facto de todos eles terem personagens verídicas como ponto de partida. A coincidência merece ser sublinhada. E não exatamente por causa desse naturalismo pueril que, todos os dias, nos é vendido pelas televisões; antes porque por todos estes filmes perpassa uma Continue reading

“Moloch”, “Taurus”, “O sol” e “Fausto”, de Aleksandr Sokurov

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O que define a “Tetralogia do poder”, de Aleksandr Sokurov, não é um princípio de reconstituição histórica. Aliás, mesmo que passemos em claro a discussão de tal princípio (hoje em dia frequentemente contaminado pelo naturalismo simplista de muitas “reconstituições” televisivas), o mais recente destes quatro filmes coloca-se, desde logo, fora do calendário das Continue reading

“O Clube de Dallas”, de Jean-Marc Vallée

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Um dos aspetos mais singulares da interpretação de Matthew McConaughey em “O Clube de Dallas” é, naturalmente, a transfiguração física a que a sua personagem o obrigou. É mesmo possível “medir” tal transfiguração: o ator perdeu nada mais nada menos que 23 quilos para interpretar Ron Woodroof (e há quem se tenha lembrado que Robert De Niro engordou 27 para, em 1980, protagonizar o “Touro enraivecido” de Scorsese…). Quanto mais não seja para contrariar a lógica pitoresca com que o cinema é muitas vezes encarado nos meios de comunicação, importa acrescentar, com inevitável ironia, que a proeza de McConaughey não está exatamente no peso que perdeu, mas sim no facto de, em tal processo, não ter perdido a Continue reading

“Ninfomaníaca, vol. 1”, de Lars von Trier

lars von trier nymphomaniac volume 1

É bem verdade que Lars von Trier não é estranho às atribulações mais desagradáveis que, direta ou indiretamente, o seu trabalho já provocou. Para o comprovar, bastará recordar as suas declarações, no mínimo infelizes, sobre o nazismo em conferência de imprensa do Festival de Cannes de 2011 (que, aliás, levaram o certame a considerá-lo persona non grata). O certo é que tal perfume de “polémica” não justifica que reduzamos os seus filmes a uma mera bandeira do “choque” ou do “escândalo”. O caso de “Ninfomaníaca” parece ser sintomático (aguardamos, em qualquer caso, a estreia da segunda parte). Na verdade, a sua fama de objeto que desafia os limites correntes da figuração da sexualidade carece de Continue reading

“O lobo de Wall Street”, de Martin Scorsese

martin scorsese the wolf of wall street

De que falamos quando falamos de circulação de dinheiro? Por certo de economias e finanças, estratégias de lucro ou lógicas de investimentos… Quase duas décadas depois de “Casino” (1995), sobre o jogo em Las Vegas, a resposta de Martin Scorsese volta a ser bem diferente e incomparavelmente mais visceral. A saber: o dinheiro segue os desejos humanos, sustenta ou decompõe os nossos imaginários e imaginações, enfim, a sua intensidade passa sempre pelos corpos. Daí que “O lobo de Wall Street”, inspirado na vida real de Jordan Belfort (condenado por práticas ilícitas na bolsa de Nova Iorque durante a década de 90), possua o delírio e a Continue reading