Curiosa evidência: se pensarmos em alguns dos melhores filmes americanos lançados em Portugal nas últimas semanas — “O lobo de Wall Street”, “Lovelace”, “12 anos escravo”, “O Clube de Dallas” e, agora, “Golpada americana” —, não podemos deixar de notar o facto de todos eles terem personagens verídicas como ponto de partida. A coincidência merece ser sublinhada. E não exatamente por causa desse naturalismo pueril que, todos os dias, nos é vendido pelas televisões; antes porque por todos estes filmes perpassa uma ânsia de verdade humana que se demarca, ponto por ponto, do imaginário repetitivo que tem alimentado as mais recentes aventuras de super-heróis e seus derivados. O filme de David O. Russell é tanto mais sintomático de tal evolução quanto as suas memórias de uma atribulada investigação do FBI em finais da década de 70 não podem ser dissociadas de um gosto metafórico que encontramos em nomes grandes do classicismo como Billy Wilder, Preston Sturges ou Otto Preminger. Dito de outro modo: no labirinto muito realista de “Golpada americana” (mesmo quando o realismo é vivido através de um desconcertante burlesco) emerge a visão simbólica de uma América seduzida, até à histeria, pelos valores da performance individual ou da acumulação de riqueza. Não admira que Russell continue a ser um cineasta cujo trabalho se enraíza numa calorosa cumplicidade com os atores: Christian Bale, Amy Adams, Jennifer Lawrence e Bradley Cooper correspondem às exigências da mise en scène, celebrando os poderes desse realismo radical, sempre apaixonado pelos sinais mais secretos das suas personagens.
João Lopes
23 janeiro [estreia nacional]
filme “Golpada americana” [“American hustle”], de David O. Russell, com Christian Bale, Amy Adams, Jennifer Lawrence,…
Zon, 2013
