Milagres da plural singularidade do saxofone de Matana Roberts: toca sozinho, mas invariavelmente escoltado pelas suas incontáveis “vozes”, ecos, personagens, fantasmas, quimeras, especulações, abstrações, enigmas, expressões, meditações, memórias, vestígios, sombras, estilhaços, cinzas. Distante do protagonismo aglutinador da audaciosa empreitada que é o seu ciclo “Coin Coin” – irrepreensível nos três volumes (de 12 anunciados…) que já conheceram vida discográfica -, isola-se aqui o fator humano, sensório, anímico e criativo de uma esteta de rigorosa exceção no quadro da contemporaneidade musical, desvelando-se a essência improvisadora no seu mais paradigmático esplendor, de exponencial pureza, isenta de dogmas, escorada apenas em sentimento exploratório e génio à solta. Pensamento, reflexão, inquirição, ensaio, trabalho, inspiração, transpiração. Enlevo. Mas também melancolia e desolação. Milagres da singular pluralidade do saxofone de Matana Roberts: no seu lhano intimismo, este é talvez o mais humilde e genuíno sopro de vida que o universo da compositora poderia forjar.
Bruno Bènard-Guedes
disco “Always.”, de Matana Roberts
Relative Pitch Records / import. Flur, 2015
texto originalmente publicado no Jornal de Letras n.º 1170, de 5 agosto 2015