Matana Roberts ao vivo em Lisboa e no Porto

Matana Roberts – saxofonista, vocalista, compositora e artista conceptual – experimentou no ano passado, com a obra prima “Coin Coin, chapter one – Gens de couleur libres”, reequacionar profundamente os limites das imagens e das impressões reveladas pela notação musical e as potencialidades da sua ressonância emocional, num álbum dedicado à história da escrava liberta Marie Thérèse “Coincoin”, que fundou a primeira comunidade religiosa de negros livres. Mas o projeto de Matana é ainda mais ambicioso e épico do que isso, e “Gens de couleur libres” é apenas o primeiro capítulo (de 12 previstos) de uma missão que esta artista oriunda de Chicago traçou: a de retratar e honrar a memória dos seus antepassados. Matana pratica um jazz avant-garde, com rasgos de agraciada improvisação multidisciplinar, que coaduna, com singular habilidade, com o legado musical de que é herdeira: Art Ensemble of Chicago, Lounge Lizards, Sun Ra, Albert Ayler, Mary Lou Williams, Emahoy Tsegué-Maryam Guèbrou, a incendiária fase final de John Coltrane ou mesmo ecos de dixieland. Matana reencontra-se com as raízes telúricas do jazz, de celebração e de dor, e carrega, na sua música, toda a carga dramática inerente à memória ancestral dos negros na América do Norte nos séculos XVIII e XIX e das atrocidades da escravatura. O seu som é visceral, muitas vezes carnal e extremista, como se habitasse as entranhas e repercutisse os gritos suplicantes dos escravos. Mas, também por isso, ouvir Matana é uma experiência de comunhão espiritual, em que os rogos carregados de angústia e os cânticos criolos nos transportam para as imensas e soalheiras plantações de tabaco da América. “Brown man”, “white man”, “la femme achetée, la femme vendue”, “free to be” são palavras que Matana repete, em jeito de denúncia de todas as crueldades e de afirmação de uma liberdade tão penosamente conquistada. Esse passado, essas raízes e essa linguagem, em que o saxofone e Coincoin se misturam, geram uma obra que é um colossal manifesto de libertação, de infindável exploração sonora e pletora humanista. Pode – deve! – ser vivida amanhã à noite, na Zé dos Bois, e no domingo, no Oporto Gallery Hostel. Concertos históricos (em vários sentidos…) em perspetiva.

28 + 29 abril, 11 pm
concertos de Matana Roberts
Galeria Zé dos Bois, Lisboa [dia 28]
Oporto Gallery Hostel, Porto [dia 29]

 

site de Matana Roberts

facebook de Matana Roberts

 

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