Vivemos tempos de permanente histeria do “presente”. Nas notícias da televisão, rádio e internet promove-se mesmo esse conceito absurdo de “tempo real” como se correspondesse à capacidade de conhecer tudo como um presente planetário, porventura galático… “A última vez que vi Macau” é um objeto delicadamente consciente de tal conjuntura: a sua revisitação de Macau, motivada pelas memórias infantis e juvenis de um dos realizadores (João Rui Guerra da Mata), mostra-nos como o presente está, todo ele, embrenhado no passado. Mais do que isso: o passado não é mais do que um tempo interior e enigmático através do qual conjugamos o presente. Cinematograficamente, a fronteira académica entre “documentário” e “ficção” desmembra-se num misto de observação factual e delírio simbólico. No plano da História (sim, sim, com maiúscula), assistimos a uma reconversão bizarra do próprio imaginário colonial português, agora condensado num desencantado sentimento, misto de fruição e tristeza, dir-se-ia anterior a qualquer ideologia. Compreendemos, enfim, que a identidade não é tanto a pertença a um lugar geográfico como a construção de um mapa imaginário onde podemos conceber um “eu” conciliado com os seus próprios impasses. No século XIX, seria uma utopia romântica. Agora, é uma aventura no país das maravilhas, maravilhosa mesmo sem Alice.
14 março [estreia nacional]
filme “A última vez que vi Macau”, de e com João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata
BlackMaria, 2012 / 2013
João Lopes