Após “Efêmera”, o tempo, na sua insensível arbitrariedade, permanece como uma mesmérica presença no exuberante universo de Tulipa Ruiz; como um centro gravitacional para instantâneos ficcionais que tratam, frequentemente, e com um teatral sentido do dramático, da qualidade aleatória das atrações recíprocas, da imoralidade do quotidiano, de afetos equívocos. Mais precisamente, “Tudo tanto” – este seu segundo álbum com ares de farsa agora lançado em Portugal – propõe, com salutar ironia, o presente como uma medida de crise, uma inexpugnável matriz jamais acessível, a quadra própria do indomesticável, quiçá sintetizada provocatoriamente numa “Expectativa”, na qual se canta: “na expectativa de que o inesquecível aconteça / na confiança de que o imprevisível apareça”. Já “É” projeta a indecifrável complexidade do indivíduo num “tempo pra respirar / tempo pra ser bem mais do que dois / bem agora ou daqui a um mês / eu e você pra depois”, enquanto “OK” enuncia a pluralidade desse “tanto, tanto que falta / pra chegar no ponto / tanto que falta para ficar OK”. Por sua vez, “Quando eu achar” ou “Dois cafés” aventam como única, e paradoxal, possibilidade conciliatória aquilo que, na vida, há de mais incerto, que é o amanhã. E da música, deve dizer-se que traduz essa ideia, aqui eminentemente lúdica, de que a estaticidade nega o elemento primordial da cultura, numa série de quadros – superiormente concebidos pelo irmão Gustavo Ruiz, pai Luiz Chagas e amigo Jacques Mathias – em trânsito por signos periféricos à modernidade paulista, carioca, baiana, continuamente transfigurados e remigrados para um elusivo ponto de partida que, de facto, é só seu.
disco “Tudo tanto”, de Tulipa Ruiz
Natura Musical, 2012
22 > 28 março
concertos de Tulipa Ruiz
Espaço Brasil, Lisboa [dia 22]
Fnac Cascais [dia 23]
Fnac Vasco da Gama, Lisboa [dia 24]
Fnac Chiado, Lisboa [dia 26]
Casa do Livro, Porto [dia 27]
Fnac Santa Catarina [dia 27]
Fnac Guia [dia 28]
Casa do Povo de Santo Estevão, Tavira [dia 28]
João Santos