“A motoreta”, “A grande farra” e “Adeus macho”, de Marco Ferreri

Fez desfilar no cinema a decadência da nossa civilização. Com um humor intangivelmente negro, não raras vezes sórdido e bizarro, mas sempre inteligente pelo modo como fez da imagem metáfora e mecanismo de crítica social, Marco Ferreri foi um dos mais profícuos e subestimados criadores da história do cinema de autor europeu. E é com triplo prazer que assinalamos agora o recente lançamento em dvd, pela distribuidora Alambique, de três marcantes peças de distintos períodos da sua obra: “A motoreta”, de 1960, “A grande farra”, de 1973, e “Adeus macho”, de 1978. O primeiro dos filmes constitui um impoluto rasgo de modernidade. Marcada por traços de mórbida comédia, a narrativa apresenta a história de um velho homem, angustiado pela solidão, que recorre a todos os meios para comprar uma motoreta para paralíticos. “A grande farra”, considerado o mais insigne trabalho da sua cinematografia, é representativo da maturidade de Marco Ferreri. Com um elenco de requinte (Marcello Mastroianni, Michel Piccoli, Philippe Noiret e Ugo Tognazzi), alegorizou a crise do homem contemporâneo mediante uma denúncia lacónica da criatura escravizada aos prazeres imediatistas e ao hedonismo fácil. Numa mansão, quatro amigos entregam-se à gula, à luxúria e à lascívia como fruição última dos desejos – Ferreri anuncia a morte pela vanidade da vida. O terceiro dos títulos lançados, “Adeus macho”, reúne no cenário nova-iorquino Gérard Depardieu e, novamente, Marcello Mastroianni. O universo controverso do cineasta perpassa nesta longa metragem ao cruzar as questões da evolução natural com a ruína da humanidade. Os laços afetivos instáveis e as relações desenraizadas – unidas apenas no elo primordial de um animal de que todos descendemos – são reflexo do cinema de Marco Ferreri, onde (um pouco como na “Cosmopolis” de Don DeLillo e David Cronenberg) se vê a vida na sua crueza: “As civilizações desaparecem, as ratazanas ficam”.