“Persépolis”, de Marjane Satrapi

Portugal conheceu primeiramente “Persépolis” pela sua adaptação ao cinema. Cinco anos depois do trabalho conjunto de Marjane Satrapi com Vincent Paronnaud, que pecava por ser cinematograficamente pouco esclarecido, a Contraponto publica a obra literária que lhe deu origem – a irrepetível e singular coleção de memórias gráficas de um Irão em crucial ponto de viragem política e cultural, visto sob o olhar irrepreensivelmente atento, consciente e quase “demasiado humano” de uma criança enquanto se transforma em adolescente e, depois, em jovem adulta. “Persépolis” reúne, num singelo registo de banda desenhada monocromática, as recordações dos flagelos da revolução islâmica de 1979, as atrocidades cometidas aquando da guerra com o Iraque, a luta contra o fundamentalismo e o estado teocrático, e as experiências familiares vividas em todo esse contexto. Este é um livro de inestimável valor documental e histórico, em que Satrapi, num sintético equilíbrio entre texto e ilustração – de traços tão negros quanto o universo que pretende dar a conhecer –, escrutina a rotina das obrigatoriedades e disseca, em descrições brutalmente vívidas, os pormenores das torturas: conhecemos a realidade do uso do véu, as mortes em massa nas ruas de Teerão, os jovens que são enviados para a guerra com promessas de entrar no paraíso, as casas bombardeadas, os supermercados vazios de bens e um heroico tio Anoosh preso e executado. “Persépolis” é um manifesto de resistência e de fidelidade às origens, escrito e ilustrado com uma hábil sensibilidade e franqueza, que Satrapi consegue simultaneamente inconvencional e dramático, mas sem cair em apologias a martírios (e que ironia seria fazê-lo, quando é dos horrores dos mártires que se tecem estas páginas…). Porém, pensar neste livro repleto de reminiscências da Antiga Pérsia é pensar também numa crónica, num quase diário, em que, a par da evolução política de um país, se acompanha a evolução de uma rapariga comprometida com os valores da sua cultura. Feito de dois tomos – “A história de uma infância” e “A história de um regresso” – “Persépolis” não se propõe a um retrato idealista, mas a uma autobiografia espontânea e genuína. Até nos devaneios por uma Viena perdida, Marjane se oferece à pura humildade.

livro “Persépolis”, de Marjane Satrapi
Contraponto, 2012

 

Paula Pina:
“Persépolis” é mais do que uma cómica novela (autobio)gráfica. Explica-nos, por dentro (e por fora), como é capaz o ser humano de se redefinir, buscando na resiliência o alimento do crescimento. Revela-nos, com humor exemplarmente cortante e simplicidade infantil, que a alegria é capaz de sobreviver ao preconceito mais feroz, à dor mais insuportável, à perda mais incompreensível: à repressão absurda, respondem a imaginação e a criatividade; a consciência torna-se resistência; a aceitação, sabedoria. Lendo “Persépolis” também se aprende e se pensa a história (recorda-nos Art Spiegelman), assumindo-se então que o desígnio pedagógico da autora terá sido atingido quando jovens leitores de todo o mundo declaram já ter lido “Persépolis” na escola.

 

facebook de Marjane Satrapi

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