Generoso cineasta das impressões, do tempo e dos afetos, Fernando Lopes (28 dezembro 1935 / 2 maio 2012) foi, como dizia, um “realizador improvável”. Cresceu numa pequena aldeia do interior do país (à qual regressou, em 1976, no singular “Nós por cá todos bem”, um misto de musical, ficção e documentário etnográfico), mas foi em Lisboa que descobriu que queria ser artesão dos sons e das imagens. Frequentou os cineclubes, partiu para Londres, de seguida para os Estados Unidos, onde foi estagiário de Nicholas Ray, e regressou com todo o fulgor a Portugal. Em 1964, filmou, muito influenciado pela estética da nouvelle vague, “Belarmino”, um dos marcos centrais da cinematografia nacional, e uma espécie de prenúncio de “Uma abelha na chuva”, de 1971, obra que marcou o alvor do chamado cinema novo, por ter sido, efetivamente, e como o próprio costumava dizer, “o primeiro gesto radicalmente moderno do cinema português”. Numa época de viragem e de profunda utopia, Fernando Lopes desconstruiu as narrativas e acreditou na montagem dos seus filmes como uma mensagem social. Absolutamente apaixonado por fotografia (relembre-se o documentário “Gérard, fotógrafo”, de 1998, sobre Gérard Castello Lopes), fez do cinema viagem entre a realidade e o sonho, e explorou esse seu sentido mágico como arte de confluência entre a ficção, a ilusão e a vida. Leitor de Alexandre O’Neill, que recorrentemente citou, adaptou para o cinema algumas obras literárias, como “O fio do horizonte” (1993), de Antonio Tabucchi, e “O delfim” (2002), de José Cardoso Pires. Nas últimas três décadas, fez do amor, das emoções e das relações humanas temas cruciais do seu programa criativo – em “Lá fora” (2004), “98 octanas” (2006) e “Em câmara lenta” (já deste ano), p.ex., filmou o confronto e a tensão de uma sociedade que desaprendeu a amar. Trabalhou desde cedo para televisão, foi um dos fundadores da RTP 2 e o responsável pela emissão regular dos ciclos de cinema do canal, que até hoje se mantêm em antena. Foi, porém, na sétima arte que fez o essencial da sua história. Filmou a sua infância, a sua mãe (em “Se Deus quiser”, de 1966), e transpôs para tudo o que fez esse fascínio eterno pela película que, no início, corria ao som da manivela. Fernando Lopes foi a expressão de um cineasta para quem, de facto, a vida era o cinema.