“Undun”, dos The Roots

“Undun” é a passagem de um homem a uma memória. “Undun”, que sintomaticamente soa a “undone”, é uma reflexão de extrema complexidade lírica e musical sobre a personagem Redford Stevens, um jovem que cresce no meio urbano da pobreza e que, obrigado a lutar pela sua sobrevivência, envereda pelo caminho do crime, morrendo precocemente aos 25 anos. O tema é, aparentemente, um típico tópico de hip hop, mas o coletivo aborda-o com singular subtileza e inteligência. Não há em “Undun” um elogio a um gangster ou a um mártir, mas um verdadeiro movimento introspetivo e retrospetivo (uma narrativa invertida, que começa na morte e acaba no nascimento). A maturidade dos The Roots espelha-se no modo como contam a trágica história de Redford, inspirada num tema de Sufjan Stevens com o seu nome, gravação original do álbum de 2003 do cantor de Detroit, “Greetings from Michigan – The Great Lake State”, sabiamente integrada no alinhamento de “Undun”. À voz de Black Thought e dos habituais convidados de luxo – Bilal, Dice Raw, Phonte, etc… -, subjaz uma crítica social que denuncia um meio de “killers and dealers”, em que cresce um jovem que, não nascendo criminoso, não consegue vir a ser outra coisa senão isso. “Illegal activity controls my black symphony” é o culminar de uma vida de resiliência (uma vida de “Tip the scale”, monumental momento musical do disco), perdição, medo (tão humano em “Lighthouse”) e “fast money”: “I did it all for the money, Lord, it’s what it seems. Well, in the world of night terrors it’s hard to dream”, ouvimos em “Make my”. O flow e a sofisticação das rimas do MC misturam-se com o beat historicamente consciente da bateria de ?uestlove e com as linhas de baixo e os teclados. Mas “Undun” é um marco poético e musical na discografia dos The Roots, que assinala a exploração de novos terrenos para lá dos já desbravados pela banda de Filadélfia, definidos sobretudo nas confluências entre o hip hop e a soul contemporânea. A aurora de Redford é uma suite de quatro faixas orquestrais: “Redford (for Yia-Yia & Pappou”), com o piano e voz espetrais de Sufjan Stevens, acrescida de três andamentos compostos pelo grupo. Há quartetos de cordas e um devaneio jazzístico de ?uestlove e do pianista D. D. Jackson que parece aproximar os The Roots de possibilidades avant-garde e free jazz. “Finality”, a peça que marca o começo da narrativa, mas a última que se ouve, distingue um álbum dotado de uma assinalável capacidade de depuração ética e estética. “Undun” é um raro acontecimento discográfico da atualidade e poderá ser ouvido no muito aguardado concerto de estreia dos The Roots em Portugal, marcado para o dia 4 de agosto no festival Sudoeste.

disco “Undun”, dos The Roots
Def Jam / Universal, 2011

 

site dos The Roots

facebook dos The Roots

 

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