Lemos o livro e vimos o filme. O livro escreveu-o Camilo Castelo Branco em 1854. O filme, estreado a 21 de outubro de 2010 (também apresentado em formato de série televisiva em 2011), produziu-o Paulo Branco e realizou-o o prolífico e enigmático chileno Raúl Ruiz (1941-2011). O realizador é um visitante experiente do romance oitocentista, de Balzac a Proust, apaixonado por Lisboa e pelo que em Camilo Castelo Branco amplia, enquanto folhetinesca envolvência e épica aspiração, em analéptica senda, as suas próprias experiências telenovelescas de juventude e, singularmente também, em retrospetiva, aquelas que foram as suas vivências últimas, dramáticas e sofridas. A componente melodramática da narrativa surge aqui corretamente encarnada por atores sobejamente conhecidos do universo televisivo, auxiliada pela fotografia e pela iluminação – cuidadosamente pictóricas e impregnadas de angustiosas luzes e trágicas sombras – de Carlos Saboga (que também assina o argumento) e André Szankowsky, e pela banda sonora – de respiração quase psicótica – de Jorge Arriagada. Um filme no qual múltiplas e misteriosas alusões ou óbvias referências (reverenciais, quase) a Brecht e Manoel de Oliveira se vão descobrindo. Camilo Castelo Branco, de novo, muito justamente e muito dignamente, com todas as suas subtilezas, ironias, extravagâncias e incoerências, em filme monumental e imperdível, a aconchegar na prateleira, livro e filme, lado a lado.
dvd “Mistérios de Lisboa”, de Raúl Ruiz, com Adriano Luz, Maria João Bastos,…
Clap Filmes / Leopardo Filmes, 2010 / 2011
