“O sonho de Wadjda”, de Haifaa Al-Mansour

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Apetece dizer: o cinema da Arábia Saudita começa aqui. Haverá, por certo, uma série de nuances que relativizam esta afirmação. Em todo o caso, sublinhemos dois factos que conferem a “O sonho de Wadjda” uma singularíssima identidade: trata-se do primeiro filme inteiramente rodado na Arábia Saudita e da primeira longa metragem dirigida por uma mulher saudita. Que o seu tema seja uma história feminina, eis o que apenas reforça a sua importância simbólica. Aliás, de forma talvez mais precisa, devemos dizer que se trata de uma história conjugada no feminino, questionando as fronteiras da vida quotidiana de uma personagem muito concreta — chama-se Wadjda, tem 11 anos e quer uma bicicleta… A simples manifestação de tal desejo basta para suscitar as mais diversas formas de resistência enraizadas nos valores dominantes na família, na escola e na sociedade. Em todo o caso, a delicadeza do olhar de Haifaa Al-Mansour aconselha-nos a que evitemos qualquer “ocidentalização” do filme. Não estamos, de facto, perante a emergência de um feminismo decorrente de um movimento organizado de “protesto” ou “resistência”. Digamos que o filme ajuda-nos a ver que o próprio tecido social não é assim tão transparente, não podendo sustentar o imaginário “reivindicativo” que pressentimos em tais palavras. A experiência que Wadjda protagoniza corresponde a um elaborado jogo psicológico, não necessariamente vivido de forma consciente: entre aquilo que ela quer e as interdições com que é confrontada, Wadjda vai tentar preservar os laços que a resgatem da mais absoluta solidão, sendo a mãe o polo positivo de um universo em que o poder dominador do pai se confunde com uma ausência quase total. Enfim, se há filmes que sabem ser fiéis às suas origens, ajudando-nos a entender que a noção corrente de “globalização” não passa de uma pobre ilusão mediática, este é um desses filmes.

João Lopes

20 março [estreia nacional]
filme “O sonho de Wadjda” [“Wadjda”], de Haifaa Al-Mansour, com Waad Mohammed, Reem Abdullah,…
Alambique, 2012 / 2014

 

texto no Sound + Vision

 

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