“Revejo-a ainda: uma ilustração de Hiroshige, muito esbatida e sem margens, que representava mulheres a passearem sob grandes pinheiros, em frente ao mar”. São reflexões de assumido encanto, emoção e reconhecimento pela cultura nipónica as que encontramos nesta compilação póstuma de escritos do antropólogo Claude Lévi-Strauss. Entre conferências, palestras e uma entrevista, a presente coleção inclui textos inéditos, muitos deles até agora disponíveis apenas em publicações da terra do sol nascente, como o prefácio à última edição japonesa da obra “Tristes trópicos”, intitulado “Uma Tóquio desconhecida”. Tratam-se de considerações pautadas por um recorrente fascínio genesíaco pela civilização do gosto, do sentimento, da sensibilidade e da harmonia. Lévi-Strauss sustenta que o Japão oferece ao mundo um modelo, pelo modo como aceita as categorias mitológicas e as entrecruza com a história, significa todas as sensações (seja na culinária, na literatura ou na arte), encontra em cada experiência particular uma infinidade de ressonâncias expressivas possíveis, é país de uma relação íntima entre o homem e a natureza e, sobretudo, pela forma como preserva a sua especificidade, equilibrando a fidelidade às tradições com a inovação do presente. À maneira de Rousseau, confere-lhe um lugar preponderante “entre todas as culturas do hemisfério boreal” e pensa-o como chave de leitura para aquilo que persiste como “misterioso no passado da humanidade”. Num registo assente entre o ensaio e a crónica, discorre sobre as suas cinco viagens ao Japão, a realidade dos artesãos, produtores de sake, oleiros, pintores de quimono, forjadores de sabre, e os respetivos rituais das sociedades familiares. Em suma, aqui coexistem notas para um elogio e notas para ponderação, por um antropólogo que propõe para a história uma nova abordagem através da face nipónica da Lua.
livro “A outra face da Lua – Escritos sobre o Japão”, de Claude Lévi-Strauss
Temas e Debates / Bertrand, 2012
