“O moinho e a cruz”, de Lech Majewski

Numa tela em que se abre e fecha o ciclo da vida, o pintor flamengo Pieter Bruegel, O Velho faz coincidir com radical originalidade e acurado detalhe o quotidiano bucólico da vida campestre, as atrocidades das perseguições religiosas do século XVI e a Paixão de Cristo. “Die kreuztragung Christi” (comumente conhecido em Portugal como “Subida ao Calvário”), de 1564, é o quadro de maiores dimensões do primeiro dos pintores da família Bruegel, aquele em que faz figurar 500 personagens, centradas num eixo que propositadamente mantém velado – a cruz. Desafiando os cânones de expressão renascentista, sob o contexto bíblico faz da arte gesto de denúncia dos horrores infligidos pela inquisição espanhola. Tomando por inspiração esta obra de Bruegel e uma monografia do crítico de arte Michael Francis Gibson nela baseada (“’Le portement de croix’ de Pierre Bruegel, l’Aîné”, de 1996), o cineasta polaco Lech Majewski dá vida a este “quadro que conta muitas histórias”, numa magistral peça metacinematográfica. Entre as belíssimas paisagens naturais da Polónia, República Checa, Áustria e Nova Zelândia e os fundos cénicos, a duas dimensões, a replicar a pintura, Majewski faz habitar atmosferas sensitivas e cenas populares da mais terrena alvura com uma atroz reconstituição das torturas perpetradas contra os supostos hereges protestantes. Um retrato sociológico e histórico que o cineasta, à maneira de Bruegel, faz coadunar com uma leitura e reatualização (à época) de passagens das Escrituras: há um Judas traidor e um Judas enforcado, uma “última ceia”, uma Virgem Maria a prenunciar as crucificações em massa, uma “pietà”, sanguinários soldados que lançam dados às vestes dos executados e, finalmente, Deus, no topo de um moinho, a controlar o destino de todos eles. Bruegel imerge no quadro para o pintar e, quando o cenário está pronto, as personagens sobem ao Calvário. “O moinho e a cruz”, acontecimento de central importância na conjuntura do cinema e de toda a arte divulgada recentemente em Portugal, estreia hoje nas salas nacionais.

28 junho [estreia nacional]
filme “O moinho e a cruz” [“The mill and the cross”], de Lech Majewski, com Rutger Hauer, Charlotte Rampling, Michael York,…
Alambique, 2011 / 2012

 

site de “O moinho e a cruz”

 

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