Com curadoria de Miguel Wandschneider, as exposições de António Palolo e Jef Geys que podem ser vistas a partir de hoje (inauguração agendada para as 10 da noite) no edifício sede da Culturgest põem em diálogo as experimentações formais, conceptuais e visuais dos criadores português e belga. A mostra que propõe “Os filmes” de António Palolo reúne algumas das peças do espólio videográfico do pintor e artista plástico eborense, produzidas entre o final dos anos 60 e 1978. Os primeiros filmes – registados em película de 8mm e, mais tarde, em Super 8 – são composições animadas a preto e branco, conjugando elementos iconográficos reclamados a períodos que se estendem da pop art até à arte clássica, com formas pictóricas, geométricas, corpos fragmentados que se decompõem e se recompõem numa combinação arbitrária (ou nem por isso…). Com fulgurações dadaístas e reverberações da pintura de Palolo, estes trabalhos demarcam-se das experiências dos anos 70, apresentadas em sequência, como proposta de leitura, no espaço expositivo. Fazendo do filme meio artístico de experimentação visual – quer pelos materiais e técnicas explorados, muitas vezes caseiros (veja-se “Drawings / Lines”, de 1971), quer pelos efeitos óticos criados a partir da investigação (atente-se em “Lights”, de 1972/1976) –, há, em Palolo, uma incessante pesquisa pelas infinitas possibilidades da luz, pelos jogos de refração e reflexos, ou pelos desdobramentos cromáticos. Crescente abstratização a partir da matéria (que se mesclam no místico “Om”, de 1977/1978), os filmes aqui apresentados culminam numa reflexão esotérica, metafísica, cosmológica, sobre o “eu” e o seu lugar no universo. Com imagens primordiais, que invocam a fundação da vida e a origem das coisas, Palolo reconfigura as suas experiências químicas para uma incursão fenomenológica sobre o mundo, ao jeito de Merleau-Ponty: “tudo o que vejo está, por princípio, ao meu alcance, pelo menos ao alcance do meu olhar”. Uma oportunidade rara para apreciar uma obra ímpar e iconoclasta na história da arte moderna em Portugal. Da mesma forma, a mostra que a acompanha na Culturgest, “As sombras de Lisboa”, de Jef Geys, é igualmente um marco assinalável no programa das exposições possíveis no Portugal de 2012. Relativamente pouco conhecido fora do seu país, o septuagenário belga tem-se mantido à parte dos grandes circuitos artísticos. O seu trabalho tende para a interdisciplinaridade e para a associação da vida diária com o meio em que o indivíduo se insere (relembre-se o memorável “Quadra medicinale”, projeto apresentado na Bienal de Veneza de 2009, que Jef Geys preparou durante mais de 40 anos). Com “As sombras de Lisboa”, o artista expõe material trabalhado a partir de 36 fotografias tiradas em Lisboa, em 1998, e resumidas em duas (das 500) provas de contacto na obra “Todas as minhas fotografias a preto e branco até 1998”. Trata-se de fotografias do quotidiano, quadros que contrastam o fantasma e a claridade, na terminologia do próprio Geys, registos da passagem do tempo e uma intangível visão que realça o classicismo da extrema inexorabilidade poética que Lisboa celebra em tantos dos seus mais voláteis detalhes urbanos.
15 junho > 2 setembro
exposição António Palolo, “Os filmes”
exposição Jef Geys, “As sombras de Lisboa”
Culturgest, Lisboa