“Um método perigoso”, de David Cronenberg

Freud comparou a mente humana a um icebergue e abriu as portas para se perceber que há todo um mundo inconsciente subterrâneo, abaixo da superfície da consciência. No assombroso “Um método perigoso”, o mais recente filme de David Cronenberg estreado entre nós (“Cosmopolis”, o próximo, chega às salas já no próximo dia 31 de maio…), o realizador regressa aos primórdios da psicanálise e explora a sua “perigosa” via terapêutica de catarse. Põe em cena os fundadores Sigmund Freud (Viggo Mortensen) e Carl Jung (Michael Fassbender), e a sua singular paciente, Sabina Spielrein (Keira Knightley), doente maníaca, histérica e com uma acentuada parafilia resultante de perturbações da sua sexualidade na infância. Spielrein (magnificamente interpretada por Knightley, capaz de um milagre de imaterialidade dramática no modo excruciante como vibra e se contorce…) é uma jovem russa de ascendência judia, culta (fascinada por “Siegfried”, de Wagner), que aspira a tornar-se psiquiatra, e que Jung (Fassbender, ora lacónico, ora selvagem), durante o processo terapêutico, faz sua assistente. A empatia, as afinidades intelectuais e a tensão sexual latente fazem com que se apaixonem. A partir daí, Cronenberg filma um homem em conflito, que começa a questionar-se e a oscilar entre o dever da ética e os recém descobertos impulsos da libido, aos quais acresce a possibilidade de satisfazer os obscuros desejos sexuais da amante, que só ele, enquanto seu psicanalista, conhece. Há aqui uma clara inversão de sentidos com que Cronenberg joga: à medida que Spielrein melhora, Jung perde-se na neurose, pondo o realizador a cru o caráter perverso – por trazer à tona todas as fragilidades e recalcamentos – do método psicanalítico. É isso que se vê nas cenas entre Jung e Freud (nas partilhas e análises de sonhos), mas também é aí que reside o motivo da sua cisão. Para Freud, um doente psiquiátrico jamais poderá deixar de ser aquilo que é, ainda que encontre formas de contornar as suas manias ou obsessões. Para Jung e para Spielrein (que se tornou numa psicanalista extraordinária e mostrou a Freud as importantes noções dos impulsos de autodestruição), cabe ao médico mostrar ao paciente aquilo em que pode tornar-se – e, para isso, como provou Cronenberg mais uma vez de forma avassaladora, pode ser preciso que se continue a perder o rumo. Disponível desde há poucos dias em dvd, “Um método perigoso” é um dos mais iluminados trabalhos recentes de David Cronenberg e um dos maiores filmes que cruzaram os nossos caminhos cinéfilos nos últimos meses…

dvd “Um método perigoso” [“A dangerous method”], de David Cronenberg, com Michael Fassbender, Keira Knightley, Viggo Mortensen,…
Zon, 2011 / 2012

 

João Lopes:
A psicanálise confronta-nos com uma angústia libertadora: as palavras dizem tudo, até o que não sabemos como dizer. O luminoso filme de Cronenberg é sobre essa tensão existencial, afinal poética, observada na própria origem do método psicanalítico: Freud (Viggo Mortensen) e Jung (Michael Fassbender) encontram-se e desencontram-se por causa de uma mulher, Sabina (Keira Knightley), admiravelmente inacessível, inevitavelmente cronenberguiana. Ou ainda: o feminino renasce, aqui, como um fantasma da beleza e também um princípio de assombramento, tão radical que talvez já não haja palavras. Só há cinema. texto no Sound + Vision [ 1 ] texto no Sound + Vision [ 2 ]

entrevista no Sound + Vision [ 1 ] entrevista no Sound + Vision [ 2 ] entrevista no Sound + Vision [ 3 ]

 

site de “Um método perigoso”

facebook de “Um método perigoso”

 

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