Gustav Leonhardt [1928 / 2012]

Foi um aristocrata singular no campo dos intérpretes de música erudita da segunda metade do século passado, com uma abordagem que primava pelo rigor intelectual, pela austeridade formal e por uma inata e profunda compreensão da conjuntura histórica subjacente a cada peça que interpretava. Gustav Leonhardt foi pioneiro e empenhadíssimo promotor do movimento apologista da interpretação do repertório clássico exclusivamente com instrumentos e padrões técnicos das épocas em que fora originalmente escrito. Cravista e pianista de importância central na história da música, o holandês foi também maestro, musicólogo, professor e editor, atuou e gravou com os mais diversos tipos de formações, mas sempre que possível era no orgão da igreja que frequentava que encontrava o cenário ideal para a fusão entre as suas crenças musicais e espirituais. Enquanto docente, aceitava apenas ensinar grupos com um máximo de cinco alunos – e, ao longo destas décadas, foram moldados pelas suas doutrinas um número imenso de grandes intérpretes, de onde se destacam os nomes de Christopher Hogwood, Christophe Rousset, Andreas Staier ou dessoutro gigante musical holandês que é Ton Koopman. A sua carreira iluminou o mundo por mais de 60 anos, revelando-nos as faces mais paradigmáticas da música de compositores como Wolfgang Amadeus Mozart, Henry Purcell, Francois Couperin, Georg Friedrich Händel, Claudio Monteverdi, Georg Philipp Telemann, Heinrich Biber, William Byrd, Jean-Baptiste Lully, entre incontáveis outros. Mas foi na obra intocável de Johann Sebastian Bach que Leonhardt ergueu a mais relevante parcela do seu génio – as suas diversas gravações de peças como as “Goldberg variations”, “Die kunst der fuge”, “The well-tempered clavier” ou as “French suites” estão entre o que de mais sublime já se eternizou em disco. Essa cumplicidade absoluta com o espírito de Bach valeu-lhe o convite para encarnar o papel do compositor no filme de 1968 “Chronik der Anna Magdalena Bach”, dos notáveis realizadores franceses Danièle Huillet e Jean-Marie Straub. Há cerca de um mês, Gustav Leonhardt anunciou a decisão de interromper em definitivo a sua vida profissional, invocando problemas de saúde. Viria a falecer ontem, 16 de janeiro de 2012, aos 83 anos.

 

João Lopes:
Foi a Leonhardt que Jean-Marie Straub e Danièle Huillet entregaram, em 1968, o papel de Johann Sebastian Bach nesse filme austero e admirável que é “Chronik der Anna Magdalena Bach”. Escolha carregada de feliz simbolismo: Leonhardt tinha 40 anos e representava uma geométrica comunhão com as pautas do compositor. Tudo acontecia num misto de neutralidade e prazer (que, por certo, Barthes não desdenharia) e ficávamos com a certeza de que o cinema é apenas um capítulo à parte da mui nobre arte musical. Em singela homenagem a Leonhardt, é nosso dever não deixar de acreditar em tal pertença. texto no Sound + Vision

 

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