O título original, “Inside Llewyn Davis”, envolve uma fundamental duplicidade: em primeiro lugar, designa um objeto concreto, isto é, serve também de título ao LP editado pelo protagonista (sendo a tentativa de receber os respetivos dividendos um dos motores da ação); depois, sugere uma interioridade que o filme vai expor de forma paradoxal, através das mais insólitas atribulações quotidianas (incluindo a tarefa deliciosamente burlesca de tomar conta de um gato que não fazia parte da história). Vogamos, assim, ao sabor da lógica absurda – a contradição do “conceito” define todo um programa narrativo – dos irmãos Coen, ainda e sempre empenhados em integrar sinais de elaborado realismo, cruzando-os com uma visão das relações humanas em que o determinismo do destino se confunde com a mais desencantada irrisão. Daí que este filme de invulgar comoção oscile, com metódico rigor, entre a ligeireza do esboço social e a imanência da tragédia. Que Llewyn Davis seja um cantor folk que teve o azar de aparecer nos tempos em que se revelou um tal Bob Dylan, eis o que só confirma um princípio inerente aos melhores filmes dos Coen: no avesso da epopeia encontramos as glórias do anonimato.
João Lopes
19 dezembro [estreia nacional]
filme “A propósito de Llewyn Davis” [“Inside Llewyn Davis”], de Ethan Coen e Joel Coen, com Oscar Isaac, Carey Mulligan, Justin Timberlake, John Goodman,…
Zon, 2013