“Os emigrantes”, de W. G. Sebald

capa w g sebald os emigrantes

A persistência da memória, a sua exploração obsessiva, potencialmente infinita, definem o núcleo da escrita de W. G. Sebald (1944 / 2001). Os quatro retratos de “Os emigrantes” elevam o seu método à máxima potência — através das respetivas atribulações, vai emergindo a imagem ferida de uma Europa para sempre assombrada pela memória da II Guerra Mundial e, em particular, pelo Holocausto e a errância dos judeus através do mundo. Susan Sontag di-lo, de forma fria e concisa, na frase que vem citada na capa da edição portuguesa (com tradução de Telma Costa): “Não conheço nenhum livro que melhor transmita o complexo destino de um europeu perante o fim da civilização europeia”. Sublinhemos, por isso, a especificidade de uma escrita que não se encaixa em nenhum modelo de “reconstituição”. Para além dos nomes e factos, gestos e lugares, o que Sebald coloca em cena poderá definir-se como a teia de transfigurações identitárias da própria história coletiva: cada indivíduo (o escritor, o narrador, as suas personagens…) que se entrega à tarefa de testemunhar/escrever essa história envolve-se numa vertigem em que todas as identidades se complementam, desenhando um “puzzle” sem fim. Por vezes, o “eu” de um parágrafo nasceu do “eu” da página anterior, proclamando uma diferença de visão e sensibilidade que, afinal, se diz também através de uma poética complementaridade existencial. No limite, tudo isso corresponde a um mapa cuja dimensão nem sempre conseguimos abarcar — por exemplo, na terceira história de “Os emigrantes”, intitulada “Ambros Adelwarth”, o tio Kasimir exprime, em inglês, o seu hábito de deambular por uma estreita faixa de areia junto ao mar: “I often come out here, (…), it makes me feel that I am a long way away, though I never quite know from where”. Essa dificuldade de medirmos o gigantismo de uma distância que pressentimos, mas cujo ponto de origem já não sabemos nomear, define a nitidez da mais depurada solidão humana. Provavelmente, somos sempre emigrantes dentro da história que vivemos e, ao viver, narramos.

João Lopes

livro “Os emigrantes”, de W. G. Sebald
Quetzal, 2013

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