Para muitos espetadores, haverá qualquer coisa de anedótico no facto de o célebre beijo de Burt Lancaster e Deborah Kerr, envolvidos pelas ondas do Pacífico, ter sido objeto de controvérsia em 1953, porventura mesmo de algum escândalo. De facto, importa dizer a esses espetadores que ao “liberalismo” do seu olhar falta uma componente essencial da cinefilia. A saber: o entendimento de que nenhuma imagem é um elemento absoluto, fixado no tempo. Um pouco ao contrário, podemos mesmo dizer que a história de uma imagem é feita da pluralidade de sentidos e significações que, ao longo das décadas, se vão construindo com ela, e em torno dela. Há outra maneira, porventura mais didática, de sublinhar tal dinâmica: ao realizar “Até à eternidade”, Fred Zinnemann tinha a consciência muito nítida de que a sua discussão dos padrões tradicionais do filme de guerra não podia deixar de envolver uma metódica reescrita (dramática, narrativa e simbólica) dos modelos consagrados das personagens femininas. Daí o fascínio desta redescoberta que, por tudo isso, envolve uma saborosa dialética figurativa: de um lado, o classicismo da representação que Lancaster encarnava, encontrando aqui um inesperado prolongamento na performance de Frank Sinatra (em decisiva superação da sua imagem “ligeira”, construída no género musical); do outro, as singulares energias emocionais associadas à presença do genial Montgomery Clift. Vindo do Actors Studio, Clift era o símbolo modelar de uma revolução estética ainda mais radical que qualquer beijo à beira mar.
João Lopes
13 junho [estreia nacional]
filme “Até à eternidade” [“From here to eternity”], de Fred Zinnemann, com Burt Lancaster, Deborah Kerr, Frank Sinatra, Montgomery Clift,…
Columbia, 1953 / 2013
