Em fevereiro de 2011, no Festival de Berlim, onde “O futuro” estava em competição, tive oportunidade de participar num encontro de Miranda July com alguns jornalistas. No final da conversa, pedi-lhe que citasse um filme visto recentemente e que, de alguma maneira, a tivesse impressionado. Depois de uma ligeira hesitação, respondeu-me: “Random harvest”. Confesso que fiquei intrigado, tentando identificar o título entre as filmografias dos cineastas da geração de July (nasceu em 1974 e reflete uma sensibilidade em que a escrita cinematográfica está sempre ligada à experimentação de outros domínios, nomeadamente as artes plásticas). O certo é que se tratava de um melodrama de Mervyn LeRoy (entre nós chamado “A noiva perdida”), com o par Greer Garson / Ronald Colman, datado de 1942! Em boa verdade, July avançava, assim, com uma sugestiva chave de leitura do seu próprio labor cinematográfico: o irónico romantismo de “O futuro” tem as suas raízes simbólicas na idade de ouro de Hollywood. Daí que esta crónica sobre os prós e contras de um par carente de utopias exista como uma nostálgica performance sobre a fragilidade das relações humanas, aqui e agora. Para que a ironia seja total, convém acrescentar que a jovem heroína do filme, enredada numa teia sentimental com namorado e… gato, é interpretada por Miranda July.
João Lopes
dvd “O futuro” [“The future”], de Miranda July, com Miranda July, Hamish Linklater,…
Leopardo Filmes, 2011 / 2013