“Old ideas”, de Leonard Cohen

Dificilmente Leonard Cohen poderia ter escolhido um melhor título para este álbum. Longe vão os tempos do Cohen poeta de Isle of Wight (que recentemente vimos a pormenor no documentário de Murray Lerner, “Leonard Cohen live at the Isle of Wight, 1970”) ou do partisan de “Bird on the wire”. Mas também há muito que Leonard Cohen era bem mais do que isso. “Old ideas”, álbum que escreve do alto dos seus 77 anos, é o espelho de um cantautor que nos habituou ao negrume da melancolia, da soturnidade e do amor, como ouvimos ao longo de toda a sua enorme obra em temas tão decisivos para a música moderna como “Famous blue raincoat”, “Avalanche” ou “Dance me to the end of love”. O novo disco de Leonard Cohen é, muito provavelmente, o mais imaculado desde “I’m your man”, de 1988, e retoma estas velhas ideias, mas não as passa em revista por mera obrigação. Bem pelo contrário. Em “Old ideas”, Cohen transfigura-se, jogando sobretudo com a personagem do sombrio profeta da ironia e a do poeta amoroso. Em “Going home”, magistral tema de abertura do álbum, Cohen versa sobre Cohen, e denuncia-se como “a sportsman and a shepherd, a lazy bastard living in a suit”, num registo mordaz a que voltará nos sete minutos de “Amen” e na recordação muito crua de como se perdeu pela escuridão, em “Darkness”. Nas dez canções deste assombroso “Old ideas”, as orquestrações têm a marca clássica do seu trabalho (tão simples e tão completas, a servir quase sempre de paradigmático pano de fundo para o instrumento da voz grave do cantor), com a crescente influência da soul, r&b e gospel – graças aos coros femininos na maior parte dos temas, que esbatem um delicioso contraste com o polo de atração vocal de Cohen – e ecos de tradições folk, em “Banjo” ou “Crazy to love you”. Aquilo que ilumina de escuridão cada um destes poemas sonoros é a voz de um mestre cada vez mais consciente da sua perenidade mítica e da sua finitude física, esse sussurro encorpado que parece trazer mil histórias em cada palavra, em cada canção, um pedaço de vida, como o próprio sempre fez questão de referir. Este álbum é um jogo de velhas ideias em músicas novas, mas também, sem dúvida, um jogo com o tempo, sobre a passagem do tempo. É uma prova da resistência de Cohen, de quem quer voltar a casa, mas que nos deixa, pela sua obra, um manual para viver com todas as desventuras, para viver com a derrota, com a vida como ela é. Uma celebração de vida, para ouvir por 77 anos ou ainda mais. E para sentir de perto também no concerto que Cohen trará ao Pavilhão Atlântico, Lisboa, no próximo dia 7 de outubro. 2012 é, para nosso júbilo, um ano para celebrar em pleno o mais jovem e ousado dos génios da poesia e da música contemporânea.

disco “Old ideas”, de Leonard Cohen
Columbia / Sony, 2012

 

João Eduardo Ferreira:
Um autor que conversa consigo próprio através de uma canção que compôs, combate a esquizofrenia recriando a sua personalidade. Leonard Cohen fez isso desde o primeiro álbum até “Old ideas”. A canção “Going home” não fala disso mas do regresso a uma velha ideia, a um espaço desde sempre habitado mas que lhe desconhece as coordenadas contemporâneas. Oferece a quem ouve a face do espelho, esse lugar eterno aparentemente refletido pelo criador numa ilusão esquizofrénica com vários lados indiferentes.

 

site de Leonard Cohen

facebook de Leonard Cohen

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