“O mundo no arame”, de Rainer Werner Fassbinder

Depois da II Guerra Mundial, da ameaça nuclear e dos grandes avanços tecnológicos, o cinema, se já pensara a ideia de homem-máquina nos seus alvores (de Georges Méliès a Fritz Lang, que o fizera de forma sublime em “Metropolis”), após essa experiência limite do terror, volta a interrogar-se sobre as fronteiras do progresso e as suas implicações em filmes como “2001 – Odisseia no espaço” (Stanley Kubrick, 1968), “Laranja mecânica” (Stanley Kubrick, 1971), “Solaris” (Andrei Tarkovsky, 1972) ou “Blade runner” (Ridley Scott, 1982). É neste plano que parece, em grande medida, enquadrar-se também “O mundo no arame”, longa metragem de 1973 de um dos grandes realizadores alemães do pós-guerra, Rainer Werner Fassbinder, a partir de agora disponível em dvd, na espantosa edição restaurada que já tinha iluminado as salas de cinema portuguesas no final do ano passado. Baseado no romance “Simulacron 3”, de Daniel F. Galouye, este é um filme entre a ficção científica, o drama policial e a interrogação filosófico-ontológica. Fred Stiller, o protagonista, é o responsável por um projeto de informática num grande instituto de cibernética que está a desenvolver uma réplica virtual do mundo, com simulacros de seres humanos. O seu antecessor morreu misteriosamente, deixando um segredo em suspenso, que Stiller progressivamente parece começar a desvendar. Esta descoberta, porém, apodera-se do cientista de uma forma terrível, para nunca mais o libertar: afinal, até que ponto sabemos que o mundo em que vivemos é o mundo real? Fassbinder explora até ao limite essa vida entre dois mundos, esse limbo entre o real e o virtual. Joga com a imagem infinita do espelho, com o espelho invertido, com o duplo e o seu reflexo, e faz dele sua bandeira social para denunciar que “somos um reflexo daquilo que os outros veem”. Desde Platão que associamos o mundo do simulacro ao falso e ao erro. Mas Fassbinder põe em causa todas as noções de verdade. Stiller é um homem atormentado pela culpa de ter criado um mundo de simulacros virtuais, passíveis de serem manipulados, mas, fundamentalmente, é um homem assoberbado pela paranoia, que vive nesse fio (ou nesse arame…) entre a consciência e a loucura. “O mundo no arame” é um acontecimento maior na história recente da distribuição cinematográfica em Portugal.

dvd “O mundo no arame” [“Welt am draht”], de Rainer Werner Fassbinder, com Klaus Löwitsch, Barbara Valentin,…
Clap Filmes, 1973 / 2011

 

site da Rainer Werner Fassbinder Foundation

 

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