Memórias da Revolução de Outubro por um dos seus observadores mais críticos, o russo Andrei Platónov (1899 / 1951), autor cuja obra permanecia até aqui inédita no mercado livreiro português. Um romance distópico que esperou sete décadas para ser editado no Ocidente, e que agora chega às nossas mãos graças ao atento trabalho editorial da Antígona.
livro “A escavação”, de Andrei Platónov
Antígona, 2011
João Lopes:
Na galeria de memórias trágicas do comunismo soviético, este é um livro central – e tanto mais quanto a sua descoberta no Ocidente apenas ocorreu na derradeira década do séc. XX (a primeira edição francesa surgiu em 1997, sendo a presente a primeira do autor no contexto português). Escrito em finais dos anos 20, o livro representa o ideário comunista através de um empreendimento gigantesco – a “escavação” a que se refere o título – cuja lógica ou funcionalidade, em boa verdade, ninguém entende. Há na escrita de Platonov o sentimento paradoxal de quem não deixou de acreditar nos desígnios da Revolução de Outubro, mas que foi também um dos observadores mais contundentes da brutalidade dos seus efeitos práticos ou simbólicos na vida do povo russo. No limite, o seu discurso confunde-se com o pranto das personagens que permanecem enredadas nas ilusões do “coletivismo”, ao mesmo tempo que se confrontam com a sua solidão radical: “(…) Porque nenhuma construção, nenhuma abastança, nenhum amigo querido, nem a conquista das estrelas, superariam o empobrecimento da sua alma.” Falecido em 1951, Platonov não chegou a ver o seu romance publicado (a primeira edição russa data de finais dos anos 80). Por cruel ironia, em 1981, quando a astrónoma Lyudmila Karachkina descobriu um novo planeta, achou por bem homenagear o escritor, chamando-lhe “3620 Platonov”. O céu tem sempre razão.
