“Tlês”, de Adriana Partimpim

capa adriana partimpim tles

Partimpim passeia prazenteiramente pelo desacerto neste “Tlês” – nomeadamente na configuração de lúdico pechisbeque que aplica a peças de requintada joalharia do quilate de “Taj-Mahal” (Jorge Ben), “O pato” (Jayme Silva e Neusa Teixeira), “Acalanto” (Dorival Caymmi) ou “Passaredo” (Francis Hime e Chico Buarque), e na despropositada prosódia do seu charmoso sotaque gaúcho – melhor enunciado na provocação hermenêutica de “Salada russa” (música sua, letra de Paula Toller), quando canta: “na Rússia não tem salada russa, / na Grécia não tem arroz à grega, / Milão não tem bife à milanesa, / na França ninguém sai à francesa”. Ou seja, aplica – muito graças a uma convenção de acusmáticos artesãos que reúne Berna Ceppas, Domenico Lancellotti, Moreno Veloso, Rodrigo Amarante, Alexandre Kassin, Alberto Continentino, Davi Moraes e Pedro Sá – à ciência dos sons a mesma cócega que faz à lógica linguística. Mas nesta terceira aventura da personagem criada por Adriana Calcanhotto predomina a bicharada – não só um símbolo de inteligência e comunicação não-verbal eminentemente empático e um pedagógico instrumento de metafórica efabulação, mas, fundamentalmente, um recreativo e sensível quadro poético. Do mergulho do sapo numa “maravilhosamente clara água” em “Lindo lago do amor” (Gonzaguinha) à sonsa onça de “Criança crionça” (Cid Campos e Augusto de Campos), que “dançando essa dança / dispensa sua comilança”, poupando as criaturas da selva, aos peixes do mar que “falam por bolhas de ar” em “Porque os peixes falam francês?”, até à enciclopédica reunião ornitológica de “Passaredo” que culmina no preventivo “bico calado / muito cuidado / que o homem vem aí”, parte significativa de “Tlês” envolve-se numa benigna antropomorfização. Apropriadamente, após tanta agitação, o pano cai não uma mas três vezes: “Tia Nastácia” (Dorival Caymmi), “Também vocês” (João Callado e Partimpim) e “Acalanto”, canções de embalar que reconduzem ternamente a ação ao mundo dos sonhos, no qual, já se sabe, na verdade tudo começa.

João Santos

disco “Tlês”, de Adriana Partimpim
Minha Música / Sony, 2012

 

Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Google photo

You are commenting using your Google account. Log Out /  Change )

Twitter picture

You are commenting using your Twitter account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s