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“Iruman”, de Akira Sakata e Giovanni Di Domenico, e “Arashi”, de Akira Sakata, Johan Berthling e Paal Nilssen-Love

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Como um irredutível átomo capaz de escorar toda uma intangível dimensão sonora, narrativa, anímica, ontológica, metafísica – assim é o acurado brio dialético que emana da poética cartografia quartomundista permitida na imensidão sensorial deste sincrético encontro de Akira Sakata – saxofonista e clarinetista crucial na história de mais de quatro décadas do free jazz japonês – com o emérito piano do italiano Giovanni Di Domenico. Discograficamente viabilizado pela gravadora lisboeta Mbari, “Iruman” é uma prodigiosa síntese do generoso e aprilino labor de Sakata, num diálogo de impoluta afinidade estética com Di Domenico e com o fértil caudal de memória e de especulação que aqui se desvela. Jazz de câmara imaculadamente livre, informado por tradições ancestrais (asiáticas, claro, mas também – por via da infância vivida pelo pianista entre Líbia, Camarões e Argélia – africanas) e pelas mais distintas escolas eruditas do último século e meio, fazendo eclodir um esplendoroso esquisso musical que almeja ser, a um tempo, introspetivo e romântico, diáfano e espectral, melífluo e fragmentado, intrincado e espartano, cerebral e ascético.

Complemento circunstancial de modo pleno de pertinência, o longa duração “Arashi”, agora publicado pela austríaca Trost, encontra o mestre nipónico ladeado por Johan Berthling e pelo imenso Paal Nilssen-Love, num cenário menos espiritual, mais ritualístico; menos esotérico, mais exotérico; menos Eros, mais Thanatos; menos diástole, mais sístole; menos gelo, mais fogo. Ou seja, mais impressionista, físico, inflamado e catártico do que “Iruman” – mas não menos viciante.

Bruno Bènard-Guedes

 

disco “Iruman”, de Akira Sakata e Giovanni Di Domenico
Mbari, 2014

disco “Arashi”, de Akira Sakata, Johan Berthling e Paal Nilssen-Love
Trost / import. Trem Azul, 2014

 

texto originalmente publicado no Jornal de Letras nº 1141, de 25 junho 2014

 

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