“Like someone in love”, de Abbas Kiarostami

abbas kiarostami like someone in love

Em 1990, Abbas Kiarostami rodou “Close-up”, sobre o episódio verídico de um homem que se fez passar por um outro cineasta iraniano (Mohsen Makhmalbaf), convencendo uma família a participar num dos “seus” filmes… O estranho efeito de verdade de “Close-up” era tanto mais envolvente quanto alguns dos protagonistas do caso participaram na (re)encenação de Kiarostami, intensificando um dos princípios do seu universo: a verdade é um produto de instável energia, resultando não de uma “transcrição” do que quer que seja, mas de uma verdadeira ocupação da realidade visível. Dir-se-ia que, na sua metódica contundência, a vitalidade de tal princípio não tem limites. Assim, em “Like someone in love”, assistimos ao encontro de uma jovem prostituta com um velho professor, rapidamente baralhado pelo aparecimento do namorado da rapariga, e o mínimo que se pode dizer é que a aparente crónica de costumes se vai transfigurando num misto de tensão dramática e irrisão burlesca. Além do mais, depois de “Cópia certificada” (2010), em paisagens italianas, Kiarostami surge agora a filmar no Japão (com personagens e atores japoneses), sem que isso nos impeça de sentir que estamos perante um novo capítulo de uma imensa narrativa, pessoal e obsessiva, cujas raízes permanecem nos lugares, ora transparentes, ora enigmáticos, das paisagens do Irão. Talvez possamos dizer isto de outro modo, reafirmando o papel nuclear do realizador numa das mais complexas dinâmicas criativas do cinema contemporâneo: Kiarostami é, afinal, um dos mestres de um realismo que nasce de uma resistência tenaz ao espontaneísmo televisivo, ao mesmo tempo reconhecendo o poder de revelação que a linguagem cinematográfica pode integrar. Que significa, neste contexto, a palavra revelação? Digamos que nela detetamos o princípio fotográfico de dar a ver, ao mesmo tempo que pressentimos a possibilidade de uma transcendência que desenha, como uma tentação, a hipótese do sagrado. Em última instância, vogamos no interior de uma discussão da ética do próprio espetador, do seu estatuto social e do seu lugar simbólico. Daí a interrogação filosófica: que vemos quando dizemos que estamos a ver? Ou ainda: quem sou eu através das imagens que contemplo, descrevo ou decifro? Como é fácil perceber, o Japão é já ali, ao virar da esquina…

João Lopes

26 setembro [estreia nacional]
filme “Like someone in love” [“Like someone in love”], de Abbas Kiarostami, com Tadashi Okuno, Rin Takanashi,…
Midas, 2012 / 2013

 

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