Quando Cristian Mungiu ganhou a Palma de Ouro de Cannes, em 2007, com “4 meses, 3 semanas e 2 dias”, compreendemos que as convulsões da sociedade romena estavam a gerar um cinema de consciência crítica (social, justamente), em que as tensões individual/coletivo desempenhavam um papel determinante. Aliás, antes mesmo desse triunfo, através de obras importantes de Cristi Puiu (“A morte do Sr. Lazarescu”, 2005) ou Corneliu Porumboiu (“12:08, a este de Bucareste”, 2006), começamos a compreender que essa “nova vaga” da Roménia se enraizava numa invulgar vontade de realismo. “Para lá das colinas” ajuda a esclarecer tal dinâmica, acima de tudo libertando-a de qualquer dependência temática. Este é, afinal, um filme que arrisca representar o mundo “esquecido” de um convento Ortodoxo, algures “para lá das colinas”, onde todo um processo de “purificação” religiosa se vai transfigurar num exorcismo brutal. Ao encenar tal processo a partir da experiência de duas noviças, interpretadas pelas notáveis Cosmina Stratan e Cristina Flutur, Mungiu sublinha uma via essencial do seu trabalho: tal como em “4 meses, 3 semanas e 2 dias”, também aqui o feminino é a primeira paisagem visada por um sistema de leis de austera desumanidade. Daí o reforço de uma convicção estética: algum do mais brilhante cinema europeu trabalha, hoje em dia, a partir das frondosas hipóteses do olhar realista.
João Lopes
30 maio [estreia nacional]
filme “Para lá das colinas” [“Dupa dealuri”], de Cristian Mungiu, com Cosmina Stratan, Cristina Flutur,…
Zon, 2012 / 2013
