“Taxi driver”, de Martin Scorsese

martin scorsese taxi driver

Em boa verdade, a história do cinema pode (também) ser contada como uma sucessão de conjunturas tecnológicas. Cumprindo uma regra que atrai os mais variados dramatismos: cada uma dessas conjunturas parece perverter os valores da anterior. Afinal de contas, no momento da generalização industrial e comercial do som, Chaplin lamentava a morte do cinema… Trinta e sete anos passados sobre a sua estreia (8 de fevereiro de 1976, nos Estados Unidos), a reposição de “Taxi driver”, em cópia restaurada, ficará por certo como um momento emblemático dessas convulsões. O mítico filme da noite novaiorquina (entenda-se: da noite fotografada em película ultrassensível pelo talentoso Michael Chapman) regressa em versão digital e, por uma vez, podemos mesmo acreditar nas maravilhas do progresso: a mudança de suporte não fere, antes sublinha, as singularidades de uma visão que ajudou a definir o negrume (literal e simbólico) de toda uma época e dos seus desamparados heróis. Travis Bickle (Robert De Niro) e Iris (Jodie Foster) são dois desses seres que habitam um mundo em que a fragilidade mais delicada pode atrair a violência mais perturbante: ele, o motorista de taxi que percorre Nova Iorque como um anjo abandonado pela divindade; ela, vendendo o seu corpo mas, porventura sem ainda o saber, guardando a beleza da alma. É um filme sobre o sagrado, sem dúvida. Bickle pertence à muito íntima galeria de Scorsese em que também figuram, por exemplo, um pugilista (“Touro enraivecido”, 1980), um jogador de bilhar (“A cor do dinheiro”, 1986), um líder religioso (“A última tentação de Cristo”, 1988), outro líder religioso (“Kundun”, 1997) ou ainda um paramédico assombrado pelos mortos que não consegue salvar (“Por um fio”, 1999). O que é que os une? Pois bem, a angústia sem nome de protagonizarem uma odisseia cujo sentido último, de tão radical, transcende a sua vontade e os seus poderes. Daí a comoção de voltarmos a sentir que, ao virar de uma esquina, podemos ter passado por Bickle ou Iris, sem termos reparado neles. De tão intensos, De Niro e Foster conseguem até representar esse anonimato que ameaça projetá-los no silêncio da história. Nunca saímos de 1976.

João Lopes

4 abril [estreia nacional]
filme “Taxi driver” [“Taxi driver”], de Martin Scorsese, com Robert De Niro, Jodie Foster, Cybill Shepherd,…
Columbia TriStar Warner, 1976 / 2013

 

texto no Sound + Vision [ 1 ]

texto no Sound + Vision [ 2 ]

texto no Sound + Vision [ 3 ]

 

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