Velha e tão esquecida lição: a sinopse de um filme quase nunca condensa o essencial da sua aventura temática e estética. Que acontece neste “Laurence anyways”? Um homem, Laurence Alia de seu nome, escritor e professor de literatura, confessa à sua companheira, Frederique, que já não aguenta mais, precisa de viver de acordo com a sua verdade interior. A saber: ser uma mulher. É o tipo de resumo que talvez nos empurre de imediato para a ideia de que se trata de uma história de “diferença” (sexual, antes do mais). O certo é que o dispositivo dramático que Xavier Dolan coloca em marcha tende para algo rigorosamente oposto: Laurence procura “aquilo” que sempre existiu dentro de si. Ou ainda: ele quer ser igual a si próprio. Questão delicada, sem dúvida. E tanto mais quanto Dolan, não renegando a tensão sexual que está em jogo (apetece dizer: a sua perturbação biológica), cedo vai contornando qualquer equilíbrio “redentor” entre homo e heterossexualidade. Decididamente, este não é um filme reformista. E se as aspas proliferam em algumas palavras deste texto, para além das imprecisões do escriba, isso quer dizer também que Dolan nos expõe, com um rigor nunca alheio a uma desarmante ternura, a essas zonas da existência humana em que sentimos a escassez, ou apenas a vulnerabilidade, das palavras. Grande filme sobre a procura da verdade na entrega amorosa, “Laurence para sempre” constrói-se, não por acaso, a partir das assombrosas interpretações de Melvil Poupaud e Suzanne Clément, também eles celebrando a diferença ambígua de ser ator/atriz.
28 fevereiro [estreia nacional]
filme “Laurence para sempre” [“Laurence anyways”], de Xavier Dolan, com Melvil Poupaud, Suzanne Clément,…
Alambique, 2012 / 2013
João Lopes
