Há uma irónica sensação de absurdo no reencontro com tão admirável obra prima em dvd… De facto, podemos ter (como temos) uma transcrição admirável e alguns extras que nos ajudam a contextualizar a excelência do trabalho de David Lean (1908-1991) através desse labirinto humano que foi T. E. Lawrence (1888-1935). Mais do que isso: graças aos singularíssimos poderes do cinema, vemos como a utopia civilizacional de Lawrence no coração do médio oriente contem as marcas, e já algumas das feridas, que ajudam a compreender um pouco das muitas convulsões que persistem. Em todo o caso, como não lembrar que, mesmo com o máximo requinte que a tecnologia digital nos possa oferecer, este filme sai “menorizado” de qualquer visão que não seja no grande ecrã de uma sala escura? Lamentação? Não, pelo contrário: não menosprezemos a pluralidade das plataformas de comunicação e conhecimento a que, hoje em dia, podemos recorrer. Acontece que, se é verdade que o património cinematográfico sempre viveu destas deslocações de uns suportes para outros, não é menos verdade que “Lawrence da Arábia”, lançado em 1962, nasceu num contexto em que o seu modelo de produção (aliás, de superprodução) não pode ser desligado de uma apetência pelo cinema como coisa maior que a vida. E, sobretudo, dupla ironia, maior que a televisão! Seja como for, em qualquer dimensão, a composição da personagem de Lawrence por Peter O’Toole é uma daquelas proezas que a história do cinema regista como um dos seus mais genuínos e inalienáveis milagres interiores. Se a alma existe, é o seu luminoso enigma que O’Toole encarna. Questão de corpo, portanto.
dvd “Lawrence da Arábia” [“Lawrence of Arabia”], de David Lean, com Peter O’Toole, Alec Guinness, Anthony Quinn,…
Columbia / Pris, 1962 / 2012
João Lopes
artigo do The New York Times sobre o restauro de “Lawrence da Arábia”