“O amor é dar o que não se tem a alguém que não o quer” — esta formulação de Jacques Lacan poderia servir de subtítulo ao filme de Spike Jonze. Porque, de facto, por uma vez, o subtítulo português não é abusivo, apontando para o cerne da questão. A saber: a desproporção material e afetiva que se desenha entre os dois amantes — de um lado, o homem interpretado por Joaquin Phoenix; do outro, a voz feminina (Scarlett Johansson) do novo sistema operativo instalado no seu computador. Apetece perguntar: qual o link que se desenvolve entre eles? O que Jonze filma é menos o sistema de trocas que se estabelece entre ele e “ela”, e mais o suave desencanto que se vai acumulando no vai-vém de palavras, mensagens e desejos, vivido num futuro próximo, saturado de rituais de gratificação e segurança. A inquietação instala-se não tanto porque a voz virtual é uma voz que responde, mas mais porque, através dela, pressentimos um desejo polimorfo (também sexual) cuja configuração confirma a estranheza da descrição lacaniana, deslocando-a para uma geografia social hiper-tecnológica. Na sua terna inteligência, “Her” não é uma fábula “contra” a invasão da tecnologia, mas sim um conto moral sobre a desertificação do humano — o futuro é apenas uma variação dramática sobre o hoje.
João Lopes
13 fevereiro [estreia nacional]
filme “Her – Uma história de amor” [“Her”], de Spike Jonze, com Joaquin Phoenix, Amy Adams, Rooney Mara, a voz de Scarlett Johansson,…
Zon, 2013 / 2014