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“Vénus de vison”, de Roman Polanski

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Dizer que “Vénus de vison” é a história de um encenador e uma atriz que ensaiam uma peça inspirada no romance homónimo de Sacher-Masoch (publicado em 1870), eis uma descrição saborosamente imperfeita. Em primeiro lugar, porque tudo se baralha, transfigurando as memórias literárias do “inventor” do masoquismo num desafio aos próprios limites conceptuais e figurativos do teatro; depois, porque Polanski trabalha, ele próprio, a partir de uma peça (do americano David Ives) sobre um encenador e uma atriz enredados nos temas de Sacher-Masoch… Vogamos, enfim, no interior de um elaborado jogo de espelhos, cúmplice de muitos outros postos em prática por Polanski, incluindo no emblemático “Por favor, não me morda o pescoço” (1967), fábula de desencantado sarcasmo em que os humanos que tentam destruir os vampiros são também os mesmos que criam as condições para a sua proliferação. No caso de “Vénus de vison”, a perversa coincidência dos contrários – o teatro e a vida – vai emprestando ao filme uma respiração claustrofóbica, com aquele teatro tão típico e acolhedor transformado em coisa cósmica assombrada por todas as inquietudes, desejos e fantasmas dos frágeis humanos. No limite, são os atores que assumem a condição de símbolos carnais e figuras abstratas de um ziguezague filosófico em que as identidades individuais são metodicamente postas à prova: nessa missão, Mathieu Amalric e Emmanuelle Seigner são admiráveis de energia, emoção e vulnerabilidade. Um espetador cruel, também ele perverso, lembraria que Seigner é casada com Polanski… Mas este é apenas um texto cinéfilo que não quer abdicar do ancestral pudor do teatro.

João Lopes

14 novembro [estreia nacional]
filme “Vénus de vison” [“La Vénus à la fourrure”], de Roman Polanski, com Mathieu Amalric e Emmanuelle Seigner
Pris, 2013

 

texto no Sound + Vision

 

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