Podemos aceitar a sugestão transcendental do título português dado ao filme de Terrence Malick. Mas algo ficou pelo caminho. De facto, o original “To the wonder”, a que corresponde o “À la Merveille” adoptado em França, envolve uma energia simbólica que não é banal. E não apenas porque, no imaginário cultural francês, “La Merveille” se confunde com o Mont Saint-Michel, cenário fulcral do primeiro encontro do par Ben Affleck / Olga Kurylenko; sobretudo porque “To the wonder” integra a sugestão de um impulso que, sendo físico, é também metafísico. No coração do filme deparamos com esse misto de intuição e racionalidade que nos faz acreditar (ou, pelo menos, supor) que as relações humanas podem estar marcadas por qualquer coisa que já não é do domínio das suas trocas concretas, empurrando-nos para uma hipótese de pura utopia – em direção à maravilha. Creio, assim, que qualquer tentativa de considerar “To the wonder” como uma sequela (?) de “A árvore da vida” (2010) passa necessariamente ao lado do trabalho de Malick. Creio mesmo que este filme mantém laços muito subtis com a sua primeira longa metragem, “Badlands” (“Noivos sangrentos”, 1973): para além das muitas diferenças conjunturais, ambos os filmes tentam reencontrar o corpo ferido de uma América rural, interior, onde o cinema insiste em inscrever a possibilidade radical do amor. Ou de um amor radical. No plano figurativo, Malick nunca abandonou esse gosto, afinal, muito realista, pela pulsação mais íntima dos lugares; em termos narrativos, o seu cinema continua a ser um território seduzido pela abstração que o contar de uma história pode atrair. A vanguarda é, talvez, apenas a mais primitiva das poses artísticas.
João Lopes
9 maio [estreia nacional]
“A essência do amor” [“To the wonder”], de Terrence Malick, com Olga Kurylenko, Ben Affleck, Javier Bardem,…
Zon, 2012 / 2013
