A música primeva de cada melómano implica invariavelmente umas quantas circunstâncias atenuantes. Há cerca de três décadas, numa ignota cidade do oeste americano, um adolescente permitiu-se emburricar pelo bem intencionado esforço composicional de Wynton Marsalis; em 2015, um esteta crucial do mapa contemporâneo do jazz de ousadia e evolução assumiu esse pretérito pessoal, fazendo essa emulação criativa iniciática “dançar” na sua desassossegada trompete, com uma lúcida dose de orgulho e reflexão. Nate Wooley defende este programa como uma espécie de registo documental de um estado de alma (“what it feels like to be home”, nas equânimes palavras por si redigidas para as liner notes deste CD 350 da Clean Feed), de uma memória emocional, manifestação de como um seu extemporâneo “passado sempre presente” pôde influenciar de modo tão fortuito o seu “presente sempre futuro”. O lugar-comum apregoa que os opostos se atraem – mas este soberbo “(Dance to) The early music” é, graças à sua emotiva assertividade, o derradeiro lugar comum aos gestos artísticos de Wynton Marsalis e de Nate Wooley. Como no lavor de um crítico, Wooley aplica-se na missão de perscrutar, indagar, compreender e explanar de forma elaborada o que aprioristicamente só os sentidos parecem saber assimilar, boicotando o inefável e, simultaneamente, acrescentando sentimento, significado, profundidade, espessura, erudição, especulação, drama, abstração, instinto, génio, audácia e brio à matéria que aqui forja. E assim se converte ventura em aventura.
Bruno Bènard-Guedes
disco “(Dance to) The early music”, de Nate Wooley Quintet
Clean Feed, 2015
texto originalmente publicado no Jornal de Letras n.º 1181, de 6 janeiro 2016
