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“A imagem que falta”, de Rithy Panh

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Nascido em Phnom Penh, Camboja, no ano de 1964, Rithy Panh é autor de uma obra que se confunde por inteiro com as convulsões da sua existência pessoal. Viveu a ditadura dos Khmers Vermelhos (1975/79) como prisioneiro, acabando por fugir para a Tailândia, depois rumando a Paris, onde estudou cinema. Os seus filmes enraízam-se num pressuposto simples e radical: importa não deixar morrer as memórias de um regime que aplicou o genocídio como instrumento político. “A imagem que falta” nasce, assim, de um inusitado desafio cinematográfico: o de retratar um campo de prisioneiros — em que Panh assistiu ao falecimento de todos os membros da sua família — cujas vivências não existem documentadas por imagens. Daí a interrogação, de uma só vez estética e ética: como figurar um brutal sistema de repressão que, por princípio, reprimiu também as imagens do seu funcionamento? A resposta dada por “A imagem que falta” tem tanto de candura como de ousadia: Panh recorre a figurinhas de barro para, com desconcertante e obsessiva precisão, evocar o quotidiano de um campo de “trabalho” que funcionava como máquina de metódico extermínio. Daí a necessidade de superarmos os efeitos mais convencionais da tradicional dicotomia documentário/ficção: este é, afinal, um filme que mostra como a transmissão de informação (globalmente histórica ou singularmente privada) não se esgota na mera acumulação de materiais de arquivo. Dito de outro modo: importa pensar e filmar para além da lógica de “amostragem” que comanda o espaço televisivo, lembrando que documentar é apenas uma outra forma de conduzir a encenação — e também de assumir as responsabilidades humanas que o seu labor envolve.

João Lopes

3 abril [estreia nacional]
filme “A imagem que falta” [“L’ image manquante”], de Rithy Panh
Leopardo Filmes, 2013 / 2014

 

texto no Sound + Vision

 

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