O sótão dessa crucial loja da contemporaneidade lisboeta que é a Kolovrat 79 recebe hoje à noite a fulgurância sonora e discursiva de Joe McPhee, saxofonista e preponderante teórico do free jazz enquanto mensagem sociopolítica, na senda de nomes maiores como os de John Coltrane, Ornette Coleman ou Albert Ayler, aos quais indubitavelmente merece ser associado. Na sala do Príncipe Real, far-se-á acompanhar de outras duas figuras de inequívoca relevância da história do jazz moderno em Chicago – Fred Lonberg-Holm, no violoncelo, e Michael Zerang, na bateria -, sob a designação Joe McPhee Survival Unit III, centrando a atenção no álbum do trio, editado em 2006, “Don’t postpone joy!”, mas decerto também disponível para novas dissertações em torno de uma obra escorada em quase cinco décadas de intensa resistência formal e abertura infinita a novas leituras dialéticas. Do alto dos seus 72 anos, McPhee ainda versa sobre as premissas basilares que nortearam discos decisivos como “Trinity” ou “Nation time” (ambos de 1971), a partir de uma incansável exploração mímica do espaço do real e da sua consciencialização face às problemáticas contemporâneas (sociais, económicas, políticas, ambientais ou espirituais), que procura esmiuçar neste trabalho com a terceira encarnação da sua histórica Survival Unit. Ainda com a revigorante memória do discurso prenhe de inventividade que no ano passado desenvolveu em parceria com o baterista Chris Corsano no álbum “Under a double moon” (editado pela Roaratorio) ou que agora se reforça no igualmente assinalável “Brooklyn DNA” (registo em duo com o contrabaixista Ingebrigt Håker Flaten acabado de publicar pela Clean Feed), Joe McPhee passa pela capital perspetivando uma noite de aprilinos devaneios improv e de intangível honestidade nas tonalidades telúricas do seu impoluto sopro jazzístico.
21 março, 10 pm
concerto de Joe McPhee Survival Unit III
Kolovrat 79, Lisboa