“We be all africans”, de Idris Ackamoor e The Pyramids

capa pyramids we be all africans

Impremeditada e insuspeitamente, o saxofonista e compositor americano Idris Ackamoor converte-se num dos mais expressivos protagonistas da música de exceção deste ano. No primeiro de abril – parecia mentira, mas a sua clari/evidência sonora era assaz veraz… – cumpriu-se a chamada ao “suporte” virtual (na página por si inaugurada no site Bandcamp) dos superlativos álbuns do seu Ensemble – “Portrait” (1998), “Centurian” (1999) e “Homage to Cuba” (2004) -, bem como da coletânea (com diversas e valiosas gravações inéditas) “Music of Idris Ackamoor, 1971 – 2004” (2006). Anunciava-se, com esse gesto, o regresso às edições do seu inolvidável grupo The Pyramids – com quem burilou os seminais “Lalibela” (1973), “King of kings” (1974) e “Birth / Speed / Merging” (1976), três das mais “secretas” e capitais obras do período dourado do afro spiritual jazz, e o virente “Otherworldly” (2011), a exclamação de um extemporâneo e esclarecidíssimo segundo nascimento -, que cunha neste “We be all africans”, o quinto longa duração, um feito discográfico dotado de uma pungência e solidez ímpares em tempos recentes (e, garantidamente, vindouros…). Envolta numa doutrina assente nos fundamentos da renovação, da união e da sobrevivência, a herança de sabedoria mística do coletivo ascende aqui a um novo patamar de excelência, numa música de primeva e inusitada propulsão cósmica, sagaz ritual orgiástico para percussão, sopros e cordas – percuciência forjada a partir de derivações de free jazz e funk adventícios, cruzados com distintas soluções harmónicas de declarado pendor africano, com uma pulsão polirrítmica possuída por ancestrais epifanias de cabal profundidade e lirismo. Do broken english do título às cadências tortas que escoram esta pérola da mais atemporal contemporaneidade, há um inexaurível vigor e um ascetismo em permanente transe anímico que ousa ser tão impetuoso quanto meditativo. Ou, nas pragmáticas palavras de Ackamoor, “It was as if we wanted our soul to burst out of our body!” Acabasse 2016 aqui e já teria em seu abono um “disco do ano” sobejamente digno desse estatuto. Difícil será superá-lo até dezembro…

Bruno Bènard-Guedes

disco “We be all africans”, de Idris Ackamoor e The Pyramids
Strut Records / import. Flur, 2016

 

texto originalmente publicado no Jornal de Letras n.º 1191, de 25 maio 2016

 

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