As cordas da guitarra de Joe Morris são o solo fértil por onde a música deste singular encontro de mestres se vai erguendo e escorando, o sustento telúrico desta humilde odisseia sónica de contornos metafísicos. Mas é entre os saxofones de Evan Parker e a trompete de Nate Wooley que a epifania categórica se revela, é nessa fricção que tudo descola rumo a um infinito celífero, estelar, cósmico. Onde a especulação impera, inviabilizam-se os axiomas e os dogmas – contudo, suspeita-se que a “isto” se chama jazz livre e improvisado por se tratar de um ainda-quase-não-jazz que se vai cruzando desbragada e espontaneamente com memórias espectrais dos blues, do folk, do rock, da eletrónica, do dub ou de diversos folclores locais, para se consumar num utópico patamar estético de êxtase fractal. Mais uma louvável adição ao catálogo de edições da portuguesa Clean Feed, este “Ninth Square” é francamente aconselhável para espíritos abertos à surpresa perene que experimenta quem opta por viver no limiar do desconhecido.
Bruno Bènard-Guedes
disco “Ninth Square”, de Evan Parker, Joe Morris e Nate Wooley
Clean Feed, 2015
texto originalmente publicado no Jornal de Letras n.º 1177, de 11 novembro 2015