“Jayede afro” e “The last transmission”, de The Heliocentrics, “Unstraight ahead”, de Karl Hector and The Malcouns, e “Frou frou rokko”, de Woima Collective

capa karl hector the malcouns unstraight ahead

Num território onde o jazz é a mais seminal das projeções mentais, basilar estamina identitária, viabiliza-se uma renovada vibração cosmogónica para uma matéria análoga ao que o Art Ensemble of Chicago apelidava como “Great black music, ancient to future” – um primal e libertário léxico holístico capaz de se burilar e volatilizar numa diáspora ritualista de funk, afrobeat, células melódicas etíopes, groove indiano, escalas orientalizantes, eletrónica ao serviço da tradição quarto mundista, percussão em pura abstração alienígena, cromatismo psicadélico, estratégias de vibração coletiva, acurada consciência espiritual e uma narrativa enformada numa miríade de enigmas criativos avulso.

capa the heliocentrics orlando julius jaiyede afro

Isto é jazz-não-jazz, i.e., jazz que se concretiza eminentemente na sua vocação especulativa e sensibilidade improvisicional. É isso que primeiramente distingue os planos superiores de existência sónica e humanista presentes nos recentes álbuns dos exímios The Heliocentrics (com dois egrégios comensais: o saxofonista nigeriano Orlando Julius e o realizador/compositor/génio Melvin Van Peebles, respetivamente em “Jayede afro” e “The last transmission”) e JJ Whitefield (garantindo a pulsante dinâmica dos projetos Karl Hector and The Malcouns e Woima Collective, enquanto se protela e sonha porvindouros capítulos para as suas cruciais aventuras como The Poets of Rhythm e The Whitefield Brothers).

capa the heliocentrics melvin van peebles the last transmission

É essa ancestral paisagem de memória plural que os distingue igualmente de outros visionários do atual renascimento funk como Sharon Jones & The Dap-Kings (que tocaram na Aula Magna, em Lisboa, no transato domingo, 23 de novembro), The Budos Band (que publicaram recentemente “Burnt offering”, viciante e inaudita declaração de amor ao rock mais incendiário da transição das décadas de 60 para 70), Naomi Shelton & The Gospel Queens (autores de outra imensa entrada da discografia de 2014, “Cold world”), Breakestra, Antibalas ou Sugarman Three. Tal como na mais objetiva escuridão os olhos se vão superando na persecução de uma visão mais apurada, nestes subjetivos pentagramas holográficos os ouvidos vão permitindo sucessivas e fascinantes frestas no encalço do jazz como primordial estado de espírito.

capa woima collective frou frou rokko

Bruno Bènard-Guedes

 

disco  “Jayede afro”, de Orlando Julius e The Heliocentrics
Strut / import. Flur, 2014

disco “The last transmission”, de The Heliocentrics e Melvin Van Peebles
Now-Again / import. Flur, 2014

disco “Unstraight ahead”, de Karl Hector and The Malcouns
Now-Again / import. Flur, 2014

disco “Frou frou rokko”, de Woima Collective
Kindred Spirits / import. Flur, 2014

 

texto originalmente publicado no Jornal de Letras n.º 1152 de 26 novembro 2014

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