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“The invention of animals”, da The John Lurie National Orchestra

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Na nossa voraz contemporaneidade, 15 anos desde a anterior entrada na discografia de John Lurie, e cerca de 20 desde a gestação deste material, é uma parcela de tempo ubérrima para uma infinitude de númenos e de fenómenos transfigurarem o devir musical. Mas neste intempestivo prândio rítmico a essência é imutável, permite-se a um tempo próprio, idiossincrático, extemporâneo, idilicamente serôdio. Inesperada e avassaladora antologia que complementa “Men with sticks” (1993) – o singular álbum editado pelo trio, de falaciosa nomenclatura, de Lurie com os percussionistas Billy Martin e Calvin Weston, seus Lounge Lizards -, acrescentando-lhe meia dúzia de parábolas que se encontravam comercialmente indisponíveis (as hipnóticas espirais escherianas conjuradas para a série “Fishing with John” ou a ascética pletora de duas gravações de palco), “The invention of animals” inaugura uma prometida fase editorial de Lurie condenada à engrenagem da memória arquivística (assolado que está por uma doença que o inibe por completo da prática musical), mas impressiona sobretudo por introduzir no presente futuro – alienado desta pulsão criativa ancestral – a distinta tessitura de um saxofone possuído pelo espírito de um cantor pigmeu, em contraponto com uma ontológica poli(a)rritmia, assombrada, ritualística, telúrica, transcendental. Em todos os sentidos anterior à sociedade atual, exterior à sociedade atual, esta é música que evoca um tempo primevo, um espaço ausente, uma dimensão holística primordial que a espécie humana há muito ignorou. Esta é a sua diegese. Este é o seu diejazz.

Bruno Bènard-Guedes

disco “The invention of animals”, da The John Lurie National Orchestra
Amulet Records / import. Flur, 2014

 

texto originalmente publicado no Jornal de Letras nº 1135, de 2 abril 2014

 

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