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“O grande mestre”, de Wong Kar-wai

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Mesmo nos seus momentos mais abstratos e românticos – e pensamos no incontornável “In the mood for love” (2000) –, Wong Kar-wai nunca deixou de ser um obsessivo retratista de Hong Kong, observando nos corpos e pensamentos das suas personagens as marcas de uma história de muitas convulsões. Ainda assim, talvez seja inevitável classificar este “The grandmaster” como uma surpresa, com tanto de desconcertante como de fascinante: um espetáculo de artes marciais centrado na personagem verídica de Ip Man (1893 / 1972), referência lendária entre os mestres do kung fu, tendo tido Bruce Lee como um dos seus alunos. Em boa verdade, o filme tem muito pouco de evocação biográfica, uma vez que a existência de Ip Man se apresenta tratada através de uma antologia de quadros, de assumida teatralidade, em que a sofisticada coreografia dos combates tende a comandar todos os elementos visuais e sonoros. Vogamos numa paisagem que sugere o artifício da ópera, exponenciando todas as ambivalências das respetivas durações, a ponto de o mais discreto gesto de kung fu poder ser reconvertido numa experiência audiovisual de puro êxtase formal. Hong Kong está sempre lá, em pano de fundo, como se fosse um cenário puramente intelectual onde as personagens poderão, eventualmente, encontrar uma significação redentora para as suas ações. No limite, Hong Kong emerge como o mais paradoxal dos mundos: um lugar de onde se não sai mas que, afinal, a história coletiva nunca consolidou como entidade simbólica. Talvez que o tema aglutinador da obra de Wong Kar-wai seja o mais angustiado exílio interior.

João Lopes

12 dezembro [estreia nacional]
filme “O grande mestre” [“Yi dai zong shi”], de Wong Kar-wai, com Tony Leung Chiu-Wai, Zhang Ziyi,…
Leopardo Filmes, 2013

 

 

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